Opinião

Residentes não habituais: mitos e realidade

É inaceitável definir a política fiscal com base em soundbites. Para o bem e para o mal, é inegável a importância dos residentes não habituais na economia e em particular na criação de novas oportunidades profissionais essenciais à fixação de jovens ao País

Portugal foi surpreendido há duas noites com o anúncio pelo primeiro-ministro (PM) do fim do regime dos Residentes Não Habituais (RNH). Pelas isenções e reduções das taxas de IRS é um regime mal-amado pela generalidade dos portugueses que pagam, como eu, os seus impostos a taxas cada vez mais absurdas e injustas.

Mas será este um regime assim tão mau para a economia portuguesa?

Antes de mais nada, há que entender do que trata o RNH.

Criado em 2009, o regime aplica-se a todas as pessoas que, tornando-se fiscalmente residentes, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores. Ou seja, o regime aplica-se, tanto a nacionais portugueses, como aos estrangeiros.

Depois, importa sublinhar que o RNH não confere uma isenção sobre a totalidade dos rendimentos. Há que distinguir entre os rendimentos com origem em Portugal, dos rendimentos de fonte estrangeira. No caso dos rendimentos de fonte portuguesa, não se aplica qualquer isenção. Beneficiando apenas os rendimentos do trabalho dependente e independente da aplicação de uma taxa de IRS de 20%, mas apenas quando resultem do exercício de atividades de elevado valor acrescentado definidas por portaria. Já no caso dos rendimentos do estrangeiro, a isenção de IRS é uma realidade para alguns rendimentos profissionais (sendo que poderá ser aplicada em alguns casos a taxa de 20% de IRS), juros, dividendos, rendas e mais-valias imobiliárias (desde que, na maioria dos casos, não tenham origem offshore). Mas já não, quanto à maioria das mais-valias mobiliárias e rendimentos de fundos, rendimentos que são tributados. Também as pensões do estrangeiro auferidas por RNHs registados a partir de 1 de abril de 2020 são tributadas à taxa de IRS de 10%.

Não é, por isso, verdade, que os RNHs não paguem IRS. Muitos pagam. Pela aplicação das mesmas taxas aplicáveis ao comum dos mortais.

Acresce que, não são aplicáveis quaisquer isenções especiais quanto ao pagamento do IVA, IMT, IS, IMI, AIMI, IUC, Segurança Social, e demais taxas e taxinhas de que o PM tanto gosta de falar.

Politicamente é fácil atacar o RNH com o argumento da despesa fiscal (crescente). Esquecem-se, contudo, os detratores do regime de referir que as pessoas que aderiram ao regime nunca viriam para Portugal se este não existisse. Como já foi reconhecido pelo Estado português, e por este Governo, a propósito do contencioso sobre o regime da Zona Franca da Madeira. Por outro lado, nos relatórios conhecidos sobre o tema, nunca foi quantificada a receita fiscal acrescida da tributação indireta.

É um facto, ainda assim, que o RNH pode ser motivador de distorções de concorrência. Sobretudo ao nível dos nómadas digitais que, além de auferirem salários mais elevados, estão a beneficiar de uma isenção de IRS sobre rendimentos do estrangeiro. Mas se assim é, então corrija-se este aspeto.

É confrangedor ver uma e outra vez este partis pris que Portugal tem contra medidas que promovem a riqueza e o bem-estar. Caramba, olhe-se para a Irlanda.

É inaceitável definir a política fiscal com base em soundbites! Como parece ser o caso.

Esquecendo que o regime do RNH é, desde logo, uma ferramenta de atração de capital humano qualificado e de competitividade das empresas. Basta pensar no projeto de Sines e na importância que terá na atração dos cerca de 40.000 novos postos de trabalho qualificados a criar na região.

As vantagens vão muito para além deste fator. Ao longo destes 14 anos do regime, são inúmeros os exemplos positivos. Desde o aumento da receita fiscal e das contribuições para a segurança social, até à criação massiva de emprego no turismo e restauração, construção civil (arquitetos, engenheiros, projetistas, técnicos e demais pessoal), intermediação imobiliária, serviços de apoio (atividades domésticas, carpintaria, jardinagem, manutenção), saúde (médicos, enfermeiros), educação (professores, psicólogos, auxiliares administrativos), serviços jurídicos e de contabilidade, entre outros.

Para o bem e para o mal, é inegável a importância do RNH na economia e em particular na criação de novas oportunidades profissionais essenciais à fixação de jovens ao País.

Tudo isto será em parte arrasado com o fim do RNH. A que acrescerão os prováveis riscos sistémicos para o sistema financeiro fruto da redução do valor das garantias dadas nos financiamentos.

A ideia que fica, uma vez mais, é que o Governo se comporta como um elefante numa loja de porcelanas. Procurando resolver o problema da habitação (e de caminho a sua sobrevivência política?) através da adoção de medidas mal pensadas e correndo o risco de causar um dano muito maior. Para já, a reputação de Portugal está em jogo. A Espanha, Itália, Reino Unido e outros países (com regimes concorrentes) esfregam as mãos de contentes.

*Advogado. Sócio da equipa de Fiscal na Telles

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