Opinião

A globalização acabou

A globalização acabou

Henrique Burnay

Consultor em Assuntos Europeus

O anúncio, pela Comissão Europeia, de controlos à exportação de determinadas tecnologias é só mais uma peça no puzzle do fim da globalização. Vamos reglobalizar. A Europa quer fazer campeões europeus. E Portugal?

A notícia do fim da globalização não é exagerada nem completamente nova, mas a Comissão Europeia renovou-a hoje. Inequivocamente.

Daqui em diante, se a proposta da Comissão Europeia passar – e se foi proposta é porque há margem para passar, mesmo que com alterações -, haverá uma lista de tecnologias críticas cuja exportação – para a China, embora não se diga lá expressamente para onde é – passa a ser proibida. Para já, estamos a falar de semicondutores, de inteligência artificial, de quantum e de algumas biotecnologias. Mas há e haverá mais.

Há quatro coisas que verdadeiramente importa retirar desta notícia: a decisão de controlar certas exportações, o que isto significa de mudança na ordem económica internacional, como é que a China vai reagir e, aqui para nós, como é que isto impacta a Europa e Portugal.

A decisão em si é o menos importante. Hoje são estas, amanhã são outras. Pelo meio haverá umas que entram outras que saem, conforme a força de diferentes sectores e a perceção do seu valor. O que verdadeiramente conta é que isto é mais uma peça de um puzzle maior em construção: o fim do mundo global como o conhecemos nos últimos 30 anos.

Trump, primeiro; a pandemia, depois; e a guerra, finalmente, aceleraram e viraram a discussão e a orientação política e económica internacional. Em menos de cinco anos passámos de um mundo assente na ideia de comércio e interdependência para uma ideia de reindustrialização e de redução da exposição a países terceiros. É um novo mundo. Não necessariamente melhor. Certamente não isento de riscos.

Não vale a pena perder demasiado tempo a falar das virtudes da globalização. De como nasceu acompanhada de uma onda de democratização universal, dos milhões que saíram da pobreza no lado de lá do mundo, dos bens a que muitos passaram a aceder a muito mais baixo custo, no lado de cá do mundo, ou de como acelerou a transformação tecnológica. Os livros de História contarão isso tudo. E contarão também que a reação aos efeitos colaterais no Ocidente, primeiro, o medo de ficar dependente da China, depois, e a convicção de que o confronto entre blocos estava de volta, finalmente, ditaram o fim desse tempo. Talvez também se fale da dúvida sobre se foi o Ocidente que foi ingénuo acerca da China, ou se foi a China que mudou enquanto passou de Deng Xiaoping para Xi Jinping, ou que nem um nem outro caminho estava escrito nas estrelas. Tudo isso é muito importante, mas não para já.

Aceder, em competição com a China, a matérias primas raras; dominar tecnologias de ponta; ser capaz de produzir o que é indispensável para a economia verde (ou não ficar dependente de outros no que seja indispensável, mais precisamente), garantir a segurança das rotas internacionais. Serão estas as novas regras. Em vez de fazer, comprar e vender em qualquer lugar, desde que fosse vantajoso, fazer de preferência onde haja empregos nossos, comprar a quem seja próximo e, irremediavelmente, vender onde deixarem. Antes acreditava-se em interdependência e abertura, agora promete-se soberania ou autonomia (ninguém ousa dizer independência, naturalmente) e segurança.

O novo mundo não tem ainda um nome, nem verdadeiros ideólogos ou teorizadores. É um mundo em construção. Há demasiadas dependências, e a promessa de ganhos em empregos com a suposta reindustrialização é duvidosa. Aqui ou na China, literalmente, o chão das fábricas será cada vez mais robotizado. Vai continuar a haver vontade de exportar para o lado de lá do mundo. Vai continuar a haver necessidade de importar de onde haja mão de obra mais barata, e a promover empregos onde estão os mais pobres do mundo, ou eles acabarão todos a tentar ir para outro lugar.

A notícia do fim do comércio internacional é imensamente falsa. Não vamos desglobalizar, vamos reglobalizar. O mundo não volta atrás, não vamos fechar as fronteiras todas, apagar as televisões e as redes sociais e viver fechados em mundos pequenos e próximos. Mas o mundo não será do tamanho que tem sido. E, sobretudo, a ideia dominante mudou: da globalização para a soberanização. O quer que isso seja.

Na Europa, há quem acredite que sabe o que isto é, para que serve e como se faz: com grandes campeões europeus, consolidados, se necessário for, às custas do mercado interno. Franceses, sobretudo, e alemães, mesmo que contrariados, acreditam neste novo credo.

A menos que se confunda o interesse alemão ou francês com o interesse europeu e, portanto, o português não seja específico nem relevante, há aqui muito trabalho a fazer. Como é que um país como Portugal se posiciona num mundo assim? Tem de se pensar. Goste-se ou não, não há de ser como foi.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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