A História
Para os que bem se recordam do período anterior à queda do Muro de Berlim, o termo “Checoslováquia” soa familiar. A Checoslováquia foi uma das concretizações político-territoriais saídas do fim da Primeira Guerra Mundial e do tempo dos domínios imperiais, neste caso concreto, do Império Austro-Húngaro.
O termo passou a tornar-se anacrónico no princípio da década de 1990, na sequência da antecessora Revolução de Veludo (1989), que ditou o fim da satelização soviética na Checoslováquia, e que acabou por ter influência nos outros países da Europa de Leste, também eles satelizados. Durante um breve interregno de 2 anos, entre 1990 e 1992, a antiga Checoslováquia passou a denominar-se República Federativa Checa e Eslovaca. A 31 de dezembro de 1992, as duas repúblicas concordariam acerca de uma dissolução pacífica desta sua realidade correlativa, fragmentando-se em dois Estados distintos: a República Checa e a Eslováquia.
O que isto significa, fundamentalmente, é que ambos os países são apenas “dois jovens de 31 anos”. Na Eslováquia, estes 31 anos foram pautados, do ponto de vista político, por alguns ziguezagues, tendo o país conhecido fases de maior aproximação ao espírito europeísta e fases de maior ceticismo acerca dele.
O sobressalto governativo
A Eslováquia que acaba de sair de um momento eleitoral está longe de um cenário de estabilidade e previsibilidade políticas – como de resto se pôde constatar pela incerteza, até ao último voto contado, relativa ao partido vencedor nas eleições do passado dia 30 de setembro.
A 15 de dezembro de 2022, o governo do centrista Eduard Heger, composto por uma coligação de três partidos, enfrentou uma moção de censura apresentada pelo seu antigo aliado, o partido Solidariedade e Liberdade, que acusou o governo de Heger de incompetência e inércia face ao problema da corrupção. Dos 150 lugares no Parlamento eslovaco, 78 deputados votaram a favor desta moção, e as eleições antecipadas tornaram-se uma hipótese a considerar. A Constituição da Eslováquia não previa a possibilidade de realização de eleições antecipadas, mas uma alteração constitucional aprovada pelo Supremo Tribunal e por uma maioria de três quintos do Parlamento permitiram, em janeiro de 2023, o agendamento de eleições para 30 de setembro do mesmo ano.
O vencedor pró-russo
Robert Fico tem 59 anos e já foi primeiro-ministro da Eslováquia por duas vezes, de 2006 a 2010 e de 2012 a 2018. A sua campanha eleitoral foi provavelmente a maior aproximação a uma postura anti-Ucrânia já vista na Europa desde fevereiro de 2022. Mas as promessas de Fico não são apenas anti-Ucrânia; são, e talvez acima de tudo, pró-Rússia.
Numa lógica contrária àquela que tem sido a do apoio e fornecimento incessantes de material logístico à Ucrânia (a Eslováquia é, em função do seu PIB, um dos aliados que mais apoio fornece), o pró-russo recém-eleito jurou não enviar nem mais um lote de munições para Kiev. No contexto da mesma declaração, disse ainda (num discurso que faz lembrar o de Lula da Silva) que não permitiria a prisão de Vladimir Putin em território eslovaco. A vitória de Fico permite, assim, prever uma liderança que se presume acima da lei, quer no respeitante ao panorama bélico da vizinha Ucrânia, quer dentro da própria Eslováquia, onde ainda são incertas as consequências da eleição deste homem.
A guerra
No contexto específico da guerra na Ucrânia, a eleição de Fico na Eslováquia não é mentalmente dissociável dos governos de Órban na Hungria e de Morawiecki na Polónia – falando-se mesmo numa “Orbanização” da Eslováquia. Contamos agora com três países europeus cujas lideranças estão, ou são, céticas sobre o apoio à causa ucraniana. A leitura de Fico acerca do início da guerra remete para aquilo que ele considera ter sido uma provocação de “nazis e fascistas ucranianos”, quando estes, em 2014, “começaram a matar cidadãos russos na região do Donbass” (as expressões entre aspas foram proferidas por Fico). A somar a isso, para Fico, a adesão da Ucrânia à NATO constituiria motivo para uma terceira guerra mundial.
A Ucrânia tem em mãos mais um desafio, que passa essencialmente por se proteger de mais um “ouvido” do Kremlin mesmo às suas portas. Na prática, isto pode significar o comprometimento de algumas rotas de transporte, por exemplo, assim como a complexificação da tarefa de precaver fugas de informação.
A Rússia
Ao contrário de Zelensky, Putin vê nesta eleição bons presságios, claro está. Para além de uma destabilização, algo inesperada, do espírito europeu pró-Ucrânia, Fico representa para a Rússia de Putin uma nova amizade no coração da vizinhança ucraniana.
O perigo mais evidente em torno desta amizade é a eventual abertura de caminhos para a entrada da retórica e da propaganda russas acerca da guerra em território Ocidental. Porque o populismo que conduziu o recém-eleito primeiro-ministro à vitória não convence apenas uma parte dos eslovacos sobre a primazia que os interesses nacionais devem ter sobre interesses como os ucranianos no âmbito da guerra dos nossos dias; este populismo também mina a ideia de que os vizinhos da Ucrânia podem ser os próximos alvos de Putin, branqueando de alguma forma as ambições expansionistas e imperialistas do líder russo.
Normalizar o ceticismo acerca da causa ucraniana e do apoio que é impreterível prestar aos ucranianos é correr um risco que pode custar a outros países o mesmo preço que a Ucrânia paga agora em património e, acima de tudo, em vidas.