Muito se tem dito sobre as transformações necessárias para que a Administração Pública sirva a sociedade que queremos ter. E periodicamente somos recordados da necessidade dessas transformações. Ainda recentemente, no segundo relatório anual sobre a execução do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, a Comissão Europeia destacava os investimentos previstos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para eliminar os obstáculos à produtividade, um dos principais desafios macroeconómicos de Portugal, onde se inclui o reforço da eficiência da administração pública.
Hoje quero falar de um aspeto crítico que é frequentemente desvalorizado nos processos de transformação das organizações, privadas ou públicas: a importância dos gestores intermédios que, nas últimas décadas, têm sido considerados uma camada supérflua na organização. Mas cada vez mais se considera que esta perspetiva tem de mudar, porque com as organizações e o trabalho fortemente impactados pela transformação digital, temos uma oportunidade para repensar a forma como as organizações funcionam e o papel da gestão de proximidade. E são cada vez mais as vozes que consideram que a resiliência individual e organizacional depende de uma equipa de gestão intermédia que, estando mais perto da linha da frente, impulsione e acompanhe as mudanças mantendo coesas as equipas.
Isto é tão verdade para as empresas como para a Administração Pública (AP) e é fácil perceber porquê: segundo o Boletim Estatístico do Emprego Público, a 31 de dezembro de 2022, nas Administração Públicas existiam 1.826 dirigentes superiores e 13.012 dirigentes intermédios. São mulheres e homens com a missão de garantir a prossecução das atribuições cometidas ao respetivo serviço, devendo, nos termos do Estatuto do Pessoal Dirigente, liderar, motivar e empenhar as pessoas que consigo trabalham para assegurar os resultados desejados.
Se a liderança de pessoas é sempre importante, no contexto atual, é mesmo uma das responsabilidades mais críticas dos dirigentes intermédios, pelo que é necessário pensar na forma como são selecionados e capacitados estes dirigentes e as lideranças de topo têm de criar condições para que exerçam os seus papéis. Se é certo que são recrutados por concurso, com base na sua competência técnica e aptidão, as suas competências de liderança são fundamentais pois são determinantes na competição pelo talento. São estas pessoas que, com o seu conhecimento granular e a perspetiva necessária para liderar os ajustamentos resultantes da revolução digital, têm um impacto crítico para desenvolver as capacidades humanas na sua equipa, orientar, criar relações positivas, dar sentido ao trabalho - papéis fundamentais que são valorizados pelas pessoas com quem trabalham.
Mais do que nunca, os desafios das organizações públicas exigem que os dirigentes voltem a gerir e a ser valorizados pela sua capacidade de gestão e não tanto pelo seu contributo técnico para o trabalho, valorizados por saberem desenvolver as capacidades da equipa em vez de fazer o trabalho por si próprios. É por isso essencial capacitar a equipa de gestão intermédia, que tem de investir tempo no seu desenvolvimento pessoal. E é essencial começar, desde cedo, a identificar quem tem o potencial para exercer este tipo de liderança próxima, empática e mobilizadora e não aqueles que são bons a fazer tecnicamente a sua função.
Ser dirigente não pode ser visto como um prémio mas como uma responsabilidade exigente, que só quem tem perfil efetivo, mais do que qualificação formal, deve exercer. Mas, sendo uma função muito exigente, liderar pessoas numa missão comum é também inspirador e desafiante. Contudo, tem de ser mais atrativa, o que tem de passar por conseguir eliminar tarefas administrativas inúteis, para que o foco do gestor possa ser colocado nas pessoas, com alguma autonomia. E essa dimensão de liderar pessoas não pode ser menorizada na sua avaliação, ficando diluída entre os resultados e as várias competências que o SIADAP define para os dirigentes intermédios.
Numa portaria que regulamenta os cursos adequados à formação profissional específica de dirigentes e à formação de trabalhadores para o futuro exercício de funções dirigentes na AP, aprovada em abril deste ano, o governo mostra alinhamento com estes desafios. Será obrigatório realizar, no futuro, uma avaliação de impacto desta formação. Porque não basta fazer formação, é necessário garantir que as aprendizagens têm condições de ser transferidas para a prática e que têm um efeito transformador no funcionamento das equipas na AP, na sua eficiência, capacidade de inovação e produtividade.
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