Opinião

Jornada Mundial da Juventude, o que (não) fica?

Jornada Mundial da Juventude, o que (não) fica?

Jorge Botelho Moniz

Diretor da licenciatura em Estudos Europeus e Relações Internacionais na Universidade Lusófona

A Jornada Mundial da Juventude foi um momento de união que, pela sua dimensão, não tem precedentes em Portugal. O equivalente a 15% da população portuguesa encontrou-se no Parque Tejo, no mesmo dia e hora(s), para treinar – como lhe chamou o Papa – o amor ao próximo. No entanto, o Papa já o tinha desejado no Rio de Janeiro, em 2013, em Cracóvia, em 2016, e no Panamá, em 2019. Estamos agora, após Lisboa 2023, mais capazes de cuidar uns dos outros?

A Igreja não muda, atualiza-se. Uma Igreja para todos foi um dos apelos do Papa, ao longo da visita ao país. A Igreja como Mãe que acolhe e inclui e não discrimina ninguém é a imagem da Igreja de todos, mas com todos no seu lugar: muitos jovens continuarão longe, mergulhados no relativismo moral e no ceticismo sobre a ação pública, sendo maniatados pelas conquistas da inteligência artificial; as mulheres continuam a saber que têm um longo caminho pela frente no que respeita à sua maior participação na governação da Igreja, como já aqui escrevi; a comunidade LGBT+ sabe que, para a Igreja, os seus membros não são delinquentes, mas serão eternos pecadores. A Igreja não muda, atualiza-se.

Os aggiornamentos católicos fazem-se com uma reflexão interna profunda e com tempo, o seu tempo. Os últimos dois Concílios foram em meados dos séculos XIX e XX. Talvez, em meados do século XXI, os bispos se reúnam novamente para debater e decidir sobre mudanças doutrinais. Contudo, é mais provável que a Igreja mude, no médio prazo, por conta do Sínodo convocado por Francisco do que por conta de um megaencontro de jovens. São mais de 2000 anos de História, não se esperam milagres.

Os portugueses e a religião. Neste Benfica vs. Porto religioso a que assistimos nas últimas semanas não houve espaço para pontos de encontro. Foi mais um momento glorioso (sem trocadilhos teológicos ou futebolísticos) de polarização da nossa sociedade. Padres? Ora homens de bem ou pedófilos. Peregrinos? A imagem bonita de uma Igreja em movimento e que não se fecha no templo ou corja de turistas que não gasta o dinheiro suficiente. JMJ? Momento de orgulho para Portugal ou ferida aberta num dos países mais pobres da Europa Comunitária. Retorno económico? Vai ser extraordinário hoje e no futuro ou não muda nada no tecido urbano e económico do país, enterra apenas o dinheiro dos contribuintes. Retorno espiritual? Este é um momento único para a comunidade refletir sobre os valores perenes que nos unem ou o Estado é laico e não pode passar a linha vermelha de promover determinados valores religiosos.

Este foi mais um bom exemplo da relação entre os portugueses e a religião; ou seja, o facto de o país nunca ter experimentado uma visão religiosa moderada entre católicos e não católicos (por exemplo, o protestantismo) reflete-se num fosso entre estas perspetivas secularmente opostas. Ironicamente, Francisco, a figura central da JMJ e líder mundial da Igreja, foi talvez único ponto de encontro entre todos.

O Estado é laico, esse mantra… Durante meses quis-se basear as relações entre Portugal e a Santa Sé num mero patamar transacional, pesando custos e benefícios com base em ganhos económicos. Ora, em especial, num país cujas relações com a Igreja remontam à própria fundação do reino de Portugal (ano de 1179) e em que a maioria dos portugueses, 80,2% para ser exato, se continua a declarar católica (desde os censos de 1981 que esse número se tem mantido estável) é difícil apelar a uma laicidade tout court.

A ideia de que o Estado é laico, esse mantra repetido sempre que a religião emerge das catacumbas às quais as sociedades europeias, especialmente as ocidentais, a tinham votado, tem nuances. Em Portugal, como já escrevi inúmeras vezes, existe um modelo de cooperação entre os campos secular e religioso. O Estado reconhece o valor público da religião, existindo colaboração com as igrejas no sentido de alcançar fins sociais comuns. O facto de o Estado ser laico não significa a irrelevância do facto religioso ou a não cooperação, quando possível ou conveniente, para o bem comum. O poder político está, constitucionalmente, obrigado a dinamizar os valores e interesses socialmente legítimos e assegurar ou propiciar o exercício da religião.

Ora, o que está aberto a discussão não é se o Estado deve cooperar com as igrejas e comunidades religiosas em Portugal, mas se deve cooperar, especificamente, com uma delas ao nível de uma JMJ. Para as autoridades portuguesas, nem que seja pela experiência (traumática) da Primeira República, a resposta é clara: existe uma separação com cooperação com particular destaque para a Igreja Católica, correspondente ao reconhecimento da sua relevância histórica e cultural na sociedade portuguesa.

No final das contas, ficou a faltar África. Portugal havia sido escolhido por ser uma potencial plataforma giratória entre continentes e por ter uma proximidade geográfica e histórica com África, mas não conseguiu trazer os peregrinos africanos, pelo menos da África lusófona (apenas cerca de 2 600 inscritos). A JMJ segue, agora, daqui a quatro anos, para outra periferia católica no Extremo Oriente – Coreia do Sul. Para já, o continente africano pode esperar, afinal “os pobres, sempre os tereis convosco” (Mc 14, 7).

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: botelho.moniz@ulusofona.pt

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