Opinião

JMJ 2023: deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz

Esta paz não é um treme-treme, uma conivência gelatinosa, indiferente à hipocrisia da esquerda marxista e ateia a reclamar para si o Papa Francisco, nem à heresia dos "ultra-conservadores" que o atacam e desmerecem

"Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz", disse Jesus aos seus discípulos. Assim, também Francisco aqui nos trouxe a paz de Cristo. Vou repetir: a paz de Cristo. Para quem, talvez iludido pela simplicidade das palavras de Francisco e ou pela superficialidade do tempo, ache que isto se trata de uma hashtag do tipo "está tudo bem", e que a Jornada Mundial da Juventude que ontem terminou foi uma espécie de Woodstock dos tempos modernos, com muita evocação de paz e amor polvilhada de ácidos e cannabis, desengane-se. "Não vo-la dou como a dá o mundo", acrescentou Jesus. E eis que, nisto, a fantasia fácil se dissipou e a exigência se assomou.

É por isto que ler e ouvir ateus (muitos contados entre marxistas e trotskistas) a entoarem loas a Francisco, dando a entender que Francisco os confirma, é o mesmo que acreditar que o joio é a mesma coisa que o trigo. Francisco é de todos, porque Francisco é de Deus, mas Francisco não é ateu. Cada palavra sua é Evangelho vivo.

E é também por isso que ler e ouvir "católicos ultra-conservadores" - numa designação que é um logro onde sobra ultra e falha conservadorismo - ofenderem o Santo Padre é o mesmo que tomar por rocha a areia onde constroem as suas casas. Francisco é católico e é verdadeiramente conservador, já dificilmente se pode dizer o mesmo desses "católicos ultra-conservadores".

De uns, de pouco valem as apropriações oportunistas, quando rejeitando activamente a fé, qual cherry pickers, se ficam apenas pelas tiradas que designam de "progressistas", quer estas tenham a ver com orientação sexual, com desigualdades sócio-económicas ou com acolhimento de migrantes. De outros, de nada vale a "intelectualização" da fé e a "defesa" da tradição, sempre cheias de adversativas, quando não ataques desabridos, se à sua Igreja falta amor.

Dizer que ateus e "católicos ultra-conservadores" odeiam o Papa talvez seja excessivo. É possível discordar sem ódio, claro. Mas se disse excessivo, não disse irremediavelmente desapropriado. Do ódio e do desprezo para com os católicos, vindo dos primeiros, com epítetos como "os papa hóstias", os pedófilos, os ignorantes que acreditam em Deus, ao ódio e desprezo para com Francisco, vindo dos segundos, com epítetos como "papaxico", "camarada chico", "anti-Cristo", "a besta comuna", é razoável dizer que entre ateus e "católicos ultra-conservadores" há muito ódio por aí, e pouca paz.

Os primeiros acusam a Igreja de obscurantismo. Tabula rasa a Santo Alberto Magno, Jean Buridan, Nicolau Copérnico (esse mesmo), Francesco Maria Grimaldi, Giovanni Battista Riccioli, Athanasius Kircher, Ruder Boskovic, Gregor Mendel ou Georges Lemaître, todos sacerdotes católicos. Das suas investigações, descobertas, influências e contributos para a ciência. Da descoberta do Arsénio, essencial, hoje, para a fabricação de semicondutores. Da Teoria do Ímpeto, essencial para a dinâmica de Galileu e para o princípio da inércia de Isaac Newton. Da teoria heliocêntrica e do desenvolvimento da astronomia moderna. Dos instrumentos para medir características geológicas da lua e dos estudos sobre a difração da luz. Da medição da aceleração de um corpo em queda livre e da sua importância para a astronomia lunar. Dos estudos sobre a transmissão dos caracteres hereditários. E, last but not least, da hipótese do átomo primordial, para estudar a origem do universo, mais conhecido pela teoria do Big Bang. Amigos, irmãos, obscurantismo uma pinóia.

Obscurantismo é subsumir a identidade, complexa e multifacetada, a um traço identitário, e a troco disso excluir. Obscurantismo é negar as pulsões individuais, de querer mais para si, de esperar recompensa pelo trabalho extra, sujeitando o indivíduo à ditadura do proletariado. Obscurantismo é negar as pulsões gregárias, familiares, e a vontade de querer e trabalhar mais para os seus. Obscurantismo é obliterar a biologia em nome da reificação da construção individual e social do real.

E depois os segundos, com o seu enclausuramento "intelectual" nas questões teológicas, no apartamento dos desconformes, que apertam e desoxigenam o coração. Deus é amor. Mas amor é coisa concreta, como o Papa Francisco não se cansou de afirmar e exibir.

E o amor de Deus, o amor de Cristo é para todos. Todos. Todos. Mas a paz é a paz de Cristo, não é a paz do mundo. É acolhimento de todos, não é acolhimento de todas as ideias. É amor pelos homossexuais, não é adopção de siglas que arrumam pessoas em caixas nem filiação na ideologia de género. É redistribuição justa de riqueza, não é bloqueio à criação de riqueza. É moral na actividade económica, não é supressão da actividade económica. É respeito pela diferença, não é ditadura da igualdade. É respeito por todos, não é erradicação da liberdade.

Esta paz não é um treme-treme, uma conivência gelatinosa, indiferente à hipocrisia da esquerda marxista e ateia a reclamar para si o Papa Francisco, nem à heresia dos "ultra-conservadores" que o atacam e desmerecem.

Foi com esta paz que, nestes dias em Lisboa, mais de um milhão de jovens do mundo inteiro, com o seu pastor Francisco, deram uma resposta global: ao ódio responderam com amor, mas ao engano responderam com verdade.

Entretanto, é preciso, a partir desse exemplo e imperiosamente, rezar por essas almas com mais ódio que amor nos corações. Para maior glória de Deus.

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia

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