Opinião

Costa a cantar e nós a sambar: “rio, rio, rio, rio para não chorar”

Podia ficar aqui, até ao final do dia, a elencar “casos e casinhos” que não mereceram de António Costa nada mais do que o silêncio ou, quando muito, o “à Justiça o que é da Justiça”. É curioso, portanto, que por estes dias com a Defesa sob ataque, o dr. Costa, que gosta de subestimar a inteligência dos portugueses, tenha vindo “defender” Rio e, no balanço - sustenham o riso -, escrever um “artigo de opinião” em defesa da honra

Rui Rio foi, esta semana, outra vez notícia. Buscas à sua residência e à sede do PSD trouxeram a personagem e o tema para o foco da atenção mediática. O tema? Uma alegada utilização indevida de dinheiros públicos.

E, neste caso, o que quer isto dizer? Quer dizer pagamento com dinheiros públicos, de acordo com esta notícia, na ordem dos 4.100 euros/mês, a um assessor que, aparentemente, nunca desempenhou quaisquer funções, como no caso de José Miguel Fernandes, contratado por Marco Capitão Ferreira, do PS e ex-Secretário de Estado deste Governo? Não. Quer isto dizer suspeita de corrupção e participação económica em negócio, como no caso do mesmo Marco Capitão Ferreira? Não.

Neste caso, a utilização indevida de dinheiros públicos prende-se com o facto de, alegadamente, o PSD ter feito pagamento a assessores que trabalhavam para o partido, com verbas atribuídas ao partido para pagamento de assessores parlamentares…do partido. Admito que não seja a mesma coisa, mas sobre esta matéria ter-se-á pronunciado algumas vezes o Tribunal Constitucional sobre a ténue fronteira e a dificuldade de as separar, como nos informou Margarida Salema, ex-presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

Rio, justificadamente, pela desproporção de meios empregues, sobretudo se contrastados com o lancinante lamento da Procuradora-Geral da República, há semanas, sobre a falta de recursos no Ministério Público, e pelo espectáculo mediático, indignou-se. Todavia, lastimavelmente, dando razão à popular rábula de que são todos iguais, zombou e atirou: todos os partidos o fazem. Quando se anunciam banhos de ética, há sempre o risco de levarmos uma banhada épica. Mas, lamento, Rio já não interessa nada, Rio é um mero figurante.

Para pasmo dos ingénuos, quem saiu em sua “defesa” foi António Costa, um conjunto de figuras do PS e…José Sócrates. Digo “defesa”, entre aspas, porque o que pode parecer uma defesa, é na verdade uma cínica operação de alimentação do ruído mediático anti-Justiça. É certo que, entre os que se pronunciaram, há gente - pouca gente - verdadeiramente preocupada com a falta de salubridade do sistema judicial e com os riscos que impendem sobre o Estado de Direito, mas a generalidade das vozes que esta semana se fizeram ouvir contrastam, porém, com o seu silêncio em casos de gravidade incomensuravelmente maior. Repito, separando e sublinhando: ruído mediático e anti-Justiça.

Lembram-se de José Artur Neves, o ex-Secretário de Estado da Administração Interna do Governo de António Costa, acusado pelo Ministério Público de “ilegalidades com relevo criminal em vários procedimentos de contratação pública", considerando que causou prejuízos para o erário público e "correspondentes vantagens para os arguidos" no valor de 364.980 euros? Lembram-se de Miguel Alves, o ex-Secretário de Estado Adjunto do Governo de António Costa, acusado de crime de prevaricação de titular de cargo político, no caso do pavilhão fantasma, em Caminha, e que terá lesado o Estado em 369.000 euros? Lembram-se de Carla Alves, a ex-Secretária de Estado da Agricultura do Governo de António Costa, cujas contas arrestadas que detém com o marido, o socialista Américo Pereira, ex-Presidente da Câmara de Vinhais acusado de corrupção activa, participação económica em negócio e prevaricação, a tornaram incompatível para o exercício de funções governamentais?

Podia ficar aqui, até ao final do dia, a elencar “casos e casinhos” que não mereceram de António Costa nada mais do que o silêncio ou, quando muito, o “à Justiça o que é da Justiça”. Fico-me por estes mais recentes. É curioso, portanto, que por estes dias com a Defesa sob ataque, o dr. Costa, que gosta de subestimar a inteligência dos portugueses, tenha vindo “defender” Rio e, no balanço - sustenham o riso -, escrever um “artigo de opinião” em defesa da honra. Nota de estilo: chamar àquilo “artigo de opinião” é tão rigoroso quanto chamar governação ao que António Costa tem feito a partir de São Bento.

A quem é que interessa este ruído? A quem é que interessa que o espaço público se ocupe, agora, de Rio e do PSD? A quem é que interessa esta nuvem de poeira onde parece que tudo é a mesma coisa e que todos são iguais? A quem é que interessa esta descredibilização activa do Ministério Público? A quem é que interessa que se olhe para Rui Rio e não para Capitão Ferreira, que se olhe para o PSD e não para o PS, que se olhe para algo difuso como as assessorias parlamentares e não se olhe para algo opaco como o que se está a passar na Defesa? No meio da confusão, José Sócrates também achou a oportunidade útil.

É muito curioso, mas pouco surpreendente, que com governantes a cair por corrupção e participação económica em negócios, este caso tenha ocupado quase todo o espaço mediático esta semana. Enquanto Costa canta, nós sambamos ao som do Vide Gal da Daniela Mercury: rio, rio, rio, rio para não chorar.

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate