Sem-abrigo? “Vamos brincar à caridadezinha”
Depois de Beatriz Gomes Dias, do Bloco de Esquerda, também Inês Drummond, vereadora do PS na Câmara de Lisboa, responde ao texto no Expresso de Sofia Athayde, do PSD/CDS. E deixa críticas a Carlos Moedas
Vereadora do PS na Câmara Municipal de Lisboa
Depois de Beatriz Gomes Dias, do Bloco de Esquerda, também Inês Drummond, vereadora do PS na Câmara de Lisboa, responde ao texto no Expresso de Sofia Athayde, do PSD/CDS. E deixa críticas a Carlos Moedas
Carlos Moedas pretende deslocalizar a resposta de alojamento de emergência para pessoas em situação de sem-abrigo, do centro da cidade, onde contam com a solidariedade da restauração aí existente, bem como de uma vasta rede de instituições de apoio social e alimentar, para os bairros municipais do Condado, Alfredo Bensaúde, Armador e Ourives, onde não existe nenhuma destas valências.
Não deixa de ser inusitado, pela singularidade, uma Vereadora com pelouro, num exercício público de autossuficiência sobranceira, expandir-se num ataque à Assembleia Municipal e à Câmara Municipal da qual faz parte, numa manifestação de “eu-sozinha-é-que-sei!”, que apenas encontra respaldo na conduta de Carlos Moedas, que reiteradamente tem recusado dar execução às medidas aprovadas por iniciativa da oposição, das quais são exemplo a operação de arrendamento a custos acessíveis do Alto do Restelo, o apoio ao arrendamento para jovens ou as medidas aprovadas no âmbito do pacote Mais Habitação Lisboa.
Também peregrino, pelo desajeitado, é a tentativa de, através de uma manobra de diversão, dispersar a atenção daquilo que é a decisão de Carlos Moedas em concentrar o alojamento de emergência das pessoas em situação de sem-abrigo nos bairros municipais, numa política ativa que promove a estigmatização, cria fraturas, e expõe-nas, agrupando as pessoas em Lisboa segundo a sua estratificação social, afastando a resposta de territórios cuja centralidade é contributo essencial para a eficácia da resposta, ao arrepio de experiências já tiveram lugar no passado, noutras grandes cidades, onde as pessoas em situação de sem abrigo continuaram nos sítios que já conheciam e onde sabiam encontrar apoio.
Esta mundividência da equipa de Carlos Moedas não começou hoje, seguindo-se à afirmação de que a oferta de bilhetes a pessoas em situação de sem-abrigo para o Rock in Rio “podia potenciar riscos de consumo”, depois da organização, à nascença abortada, da “Marcha dos Pobrezinhos”, depois de a vereadora com o Pelouro da Habitação assumir que a construção de habitação pública deve ser restrita aos bairros degradados e desqualificados de Lisboa - “é nesses lugares que estão marcados pela criminalidade e pelo abandono” que se deve circunscrever o investimento.
A Vereadora Sofia Athayde, responsável por este descalabro social, vem, sem grande originalidade, culpar o Governo e o anterior executivo da CML, bradando que decidiu “despejar” o Quartel de Santa Bárbara. Porém, a questão não é encerrar um centro, que que sempre foi provisório, encontrado em plena pandemia quando não havia precedentes para o número de pessoas em situação de sem abrigo que chegavam semanalmente a Lisboa. A questão é, decorridos quase dois anos para encontrar uma alternativa ao centro provisório - que o PSD e o CDS a aprovaram (numa deliberação unânime) -, escolher à última hora quatro centros, também provisórios, longe da centralidade necessária para uma verdadeira resposta social.
O que Sofia Athayde chama de “despejo” dá-se porque foi concluído o concurso público para iniciar as obras de 240 apartamentos para renda acessível no mesmo local. Sim, ao contrário de Carlos Moedas, ainda há quem perceba que uma política pública de habitação tem de ser disseminada por toda a cidade, e quem esteja a lançar concursos públicos para a construção de casas a preços acessíveis. Gerir uma autarquia, sobretudo uma com a responsabilidade social e capacidade financeira de Lisboa, implica antecipar questões, ter planos e apresentar soluções.
Algo a léguas do ADN de quem acha que é mais lucrativo politicamente acusar o Governo do que fazer o trabalho que tem de fazer. Se Carlos Moedas foi tão lesto a encontrar uma nova sede para a Gebalis, passando a pagar 400 mil euros ano, no centro de Lisboa, nada o impedia de ter procurado um outro local central para a população em situação de sem-abrigo que não fosse escondê-los dos olhos de todos - a verdadeira motivação política desta decisão.
Assistimos à implementação de uma política que aposta na promoção da guetização, na segregação dos “pobres” dos “ricos”, no aprofundamento de estigmas, com propósito eleitoral, que resulte da exploração do confronto polarizado de uma parte de cidade contra a outra ao voltar pessoas contras pessoas, da qual Carlos Moedas e o CDS têm sido porta-estandarte.
É uma política que incorpora um atraso de pensamento, da qual se achava que Lisboa se tinha despedido para sempre, que Carlos Moedas – um estrangeirado moderninho – vem ressuscitar, já depois do ralhete recebido pelo Senhor Presidente da República, pelo piscar de olho ao Chega nas políticas de imigração.
É uma política que utiliza os “direitos sociais” na designação do pelouro, mas que os manipula e desconstrói. A expressão “direitos” significa mesmo que a sua dignidade é tutelada por uma prerrogativa que se constituiu, conferida e disciplinada pelo direito objetivo, e não uma caridadezinha qualquer, assente em benesses e dádivas concedidas aos pobrezinhos, mas só porque queremos e na medida em que quisemos.
P.S.: Já que se aproxima a vinda do Papa Francisco, Carlos Moedas podia passar os olhos pela encíclica “Fratelli Tutti” que, nem de propósito, condena o individualismo radical e promove a solidariedade, ao invés de fazer como Frei Tomás, “faz o que ele diz, não faças o que ele faz”.
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