Opinião

Tudo tem de ser político com a China

Tudo tem de ser político com a China

Gonçalo Ribeiro Telles

Comentador político, fundador e consultor de comunicação na GRiT Communication & Political Risk

O estender da passadeira ao regime chinês representa num grau maior em Portugal e num menor na União Europeia, a forma como Xi Jinping comeu a estratégia política de uns e outros ao pequeno-almoço. Só que tudo mudou no último ano e meio

Os responsáveis da Huawei têm razão quando afirmam que o que levou à exclusão da empresa na Suécia e Reino Unido tem mais a ver com critérios geopolíticos do que técnicos. A recente decisão portuguesa de banir as empresas chinesas do 5G afetará sobretudo a Huawei. Peca por vir tarde, mas obedece à mesma base geopolítica.

Claro que o setor da tecnologia com a relevância que tem não pode ficar indefinidamente nas mãos de empresas controladas pelo regime chinês, além de existir uma estratégia de de-risking anunciado há meses pela União Europeia relativo à China. Depois de Portugal, muito provavelmente haverá mais.

Naturalmente que nenhum destes países quererá ou conseguirá ficar à margem da segunda maior potência económica do mundo, mas a estratégia passa claramente por reduzir o peso chinês nas economias da União Europeia. Há mais de uma década que essa deveria ser a realidade na relação com o gigante asiático e a ilusão Ocidental sobre a mudança da génese do regime chinês tornou-se confrangedora. A liderança de Xi Jinping, porventura mais sinuosa, nunca deixou de ser tão ou mais totalitária e repressiva do que era a de Hu Jintao, Deng e Mao, respetivamente. Sem enganos, as regras do comércio e a correspondente ordem internacional, os direitos humanos e até os princípios democráticos Ocidentais, sempre foram matéria de lixo para Xi Jinping. Diante desta evidência, num jogo sem regras do lado de lá e na nossa própria insensatez prolongada, continuou-se, sem ironia, a analisar empresas chinesas no ranking das melhores marcas globais. Desenfreadamente e saloiamente, perseguiu-se o último dos melhores negócios made in China. De aumento em aumento de capital, a REN e a EDP privatizaram-se, tendo sido cometido o enorme disparate de se tornarem maioritariamente chinesas.

O estender da passadeira ao regime chinês representa num grau maior em Portugal e num menor na União Europeia, a forma como Xi Jinping comeu a estratégia política de uns e outros ao pequeno-almoço.

Tudo mudou com a invasão de Putin na Ucrânia e à medida que a colagem chinesa à Rússia se tornou clara. Por mais que Xi Jinping tente camuflar, a divisão do mundo entre dois polos afasta a China do Ocidente. Mas, até isso seria eventualmente ignorado se não se fizesse acompanhar de outros alicerces cruciais, como o facto de o sistema político chinês ter sido a causa maior da péssima e danosa gestão da pandemia do país aos olhos do mundo. Junte-se isso à clara e inegável desaceleração estrutural da economia chinesa que há 40 anos que não crescia tão pouco - colocando em cheque o próprio efeito da “fábrica do mundo” - até à dura realidade de se entender de uma vez por todas que são raros os asiáticos, norte e sul americanos, europeus e africanos que queiram ir viver ou fujam para a China. (Outro dos efeitos geopolíticos que a União Europeia nunca soube usar a seu favor.)

É inegável que o gigante asiático continua economicamente poderoso e com uma força diplomática difícil de igualar nas organizações internacionais, mas também não haja dúvidas que já deixou de ser o que era. Apesar do tempo trumpiano e do seu efeito na ascensão da China de “acentuada” para “meteórica”, dificilmente o país de Xi_Jinping e Mao virá a ser a maior superpotência global, conforme se projetava. Muita coisa aconteceu e o mundo mudou mais nos últimos cinco anos do que em muitas meias décadas.

A nova política portuguesa e europeia relativa ao 5G chinês deve ser interpretada à luz de todos estes fatores, mas sobretudo com a assunção que tudo é e tem de ser político com a China. No fundo, a Huawei é um pormenor no meio dessa verdade de La Palice. Com ou sem o regresso do cataclismo nas eleições dos EUA em 2024, o certo é que o regime chinês na Europa já não escapa ao contrário daquilo que oportuna e ingenuamente significou nos últimos dez anos: um péssimo e nada confiável investimento a que poucos voltarão a recorrer em áreas-chave.

Portugal é dos que pior atuou nesse sentido e que mais caminho tem pela frente, mas está dado o primeiro passo. Ainda bem.

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