Já sabemos de cor tudo sobre as consequências desastrosas que as alterações climáticas trarão (e já trazem) para a humanidade. Cientistas, especialistas, ativistas, celebridades, economistas, empresas, os mais diversos setores da sociedade de diferentes países alertam incessantemente. Até na esfera política já há quem esteja sensibilizado para este tema, mas infelizmente nem todos - alguns agem como se esta emergência pudesse esperar.
Um exemplo desta triste realidade é a negociação que está em curso neste momento no Parlamento Europeu que coloca em risco a aprovação da Lei do Restauro da Natureza - que será votada na Comissão do Ambiente no dia 15 de junho e em Plenário no início de julho. A Lei do Restauro é considerada a peça legislativa mais relevante em termos de conservação ambiental desde a aprovação das Directivas Aves e Habitat - entraram em vigor no século passado, mas protegem as nossas paisagens e as nossas espécies até hoje. Além disso, é também a última oportunidade de trazer de volta a natureza para a Europa, o que trará benefícios não só para a biodiversidade mas principalmente para as pessoas. A recuperação de habitats degradados é a única forma que temos de restaurar a produtividade e a resiliência das nossas terras e mares, e continuar a usufruir dos serviços gratuitos que a natureza nos fornece e que são fundamentais para a segurança alimentar, o emprego, a atenuação das alterações climáticas e a economia da Europa. Então, mas a Lei do Restauro não ameaça a economia? Vejamos.
Primeiro importa esclarecer que o restauro da natureza não é incompatível com as atividades económicas. A depender das características dos ecossistemas e das atividades, com uma análise caso a caso, um planeamento cuidadoso e monitorização bem feita, são várias as alternativas que podem ser implementadas. Por exemplo, alguns projetos de energias renováveis combinados com projetos de recuperação de áreas já muito degradadas, como zonas industriais abandonadas, podem trazer benefícios para a biodiversidade. O Parque Solar Klein Rheide, na Alemanha, é um excelente exemplo de desenvolvimento de um parque solar que contribui para a recuperação da natureza. O parque solar foi instalado numa antiga mina de cascalho e agora a biodiversidade está a recuperar-se nesta área específica. Outro exemplo diz respeito às atividades agropecuárias. Os objetivos de recuperação dos ecossistemas agrícolas previstos na proposta de Lei do Restauro, como, por exemplo, a criação de elementos paisagísticos de elevada diversidade, visam assegurar a continuação das práticas agrícolas e seus rendimentos.
Em segundo lugar, é importante lembrar que as perdas económicas decorrentes de eventos extremos relacionados com as alterações climáticas só na União Europeia são já, em média, superiores a 12 mil milhões de euros por ano. Uma avaliação feita pela Comissão Europeia concluiu que o investimento na recuperação da natureza acrescenta até 38 euros de valor económico por cada 1 euro gasto, graças aos muitos benefícios que a natureza nos proporciona. A recuperação da natureza é, portanto, um dos melhores investimentos financeiros que a nossa sociedade pode fazer.
Os relatórios do IPCC são muito claros: sem uma recuperação da natureza em larga escala, a Europa sofrerá mais inundações, secas e outras ameaças aos nossos meios de subsistência. Adicionalmente, o restauro da natureza ajudará a garantir a segurança alimentar a longo prazo.
A existência de ecossistemas saudáveis é a base de serviços ecossistémicos fundamentais, como a polinização, de que dependem os nossos sistemas alimentares. Colocar mais terras sob produção intensiva e não apostar no restauro, agrava ainda mais a dupla crise da biodiversidade e do clima, afastando a UE e os seus Estados-Membros do cumprimento dos seus compromissos internacionais e obrigações legais. O setor agropecuário do futuro já tem esta consciência. Resta saber se os/as deputados/as que representam Portugal vão querer ser reconhecidos como pessoas preocupadas com o futuro do seu país ou como políticos que impediram a primeira lei europeia que poderia tornar a Europa mais resistente a secas, inundações, falta de alimentos e incêndios, sem oferecer nada em troca.
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