Opinião

Direitização da Europa – Segunda Vaga

Direitização da Europa – Segunda Vaga

Jorge Botelho Moniz

Diretor da licenciatura em Estudos Europeus e Relações Internacionais na Universidade Lusófona

As recentes eleições em Espanha, Grécia, Bulgária, Finlândia, Estónia, Hungria, Suécia ou Itália levaram muitos a questionar-se: “A Europa está a virar e a reforçar-se à direita?”. Há uma segunda vaga de direitização na Europa Comunitária. A um ano das eleições europeias, sobram cinco líderes na mão esquerda da UE, mas poderão ser menos, dependendo do que acontecer em Espanha, em finais de julho

Em meados da década de 1990, aproximadamente, metade dos países europeus tinha governos de esquerda, em especial os do Sul da Europa. Por volta da década de 2000 essa repartição esquerda-direita mantinha-se, mas com uma alternância que colocava a esquerda a controlar mais países do Centro e Leste europeu. Contudo, a partir da década de 2010, com as crises financeira e migratória, o mapa político-partidário da Europa mudou.

Essa mudança refletiu-se numa primeira vaga de direitização que ocorreu, especialmente, durante o período 2015-2020. Foi o exemplo da Polónia (2015 e 2019), Reino Unido (2015, 2017 e 2019), Áustria (2017 e 2019), Itália (2018) e Hungria (2018). A partir de 2020, começou-se a assistir a uma segunda vaga da direita na Europa, ressurgindo e reforçando-se nos temas das migrações, inflação, protecionismo, guerra na Ucrânia e escândalos de corrupção na UE (Catargate – associado à esquerda europeia). Espanha, um dos últimos bastiões ativos da esquerda na Europa, mostrou, nas últimas eleições locais, que o balão da esquerda europeia está a desinflar e relançou o tema da direitização do continente.

Esta onda de mudança não começou, naturalmente, em Espanha. Na verdade, só a 23 de julho saberemos se os socialistas espanhóis ficarão, de facto, apeados do poder. Recentemente, tivemos alguns casos emblemáticos e mediáticos. Na Suécia, o paraíso da social-democracia, os liberais e conservadores contam com um apoio parlamentar da extrema-direita. Em Itália – país fundador da UE –, os Irmãos de Itália, de Giorgia Meloni, chegaram ao poder no meio de acusações de fascismo. No entanto, desde o início da segunda vaga, pode-se contar quase dezena e meia de Estados-membros da UE que, de Norte a Sul do Velho Continente, viraram ou se reafirmaram à direita (por exemplo: Irlanda, Finlândia, Países Baixos, Chéquia, Estónia, Grécia ou Chipre). Se esta tendência se confirmar em Espanha, aquando das eleições gerais, Portugal, Alemanha, Dinamarca e Malta serão dos últimos países Estados-membros da UE a ser governados pela esquerda.

Com as eleições de novembro próximo na Polónia a poderem reconfirmar o Lei e Justiça no poder e as eleições belgas de junho de 2024 a colocar, segundo as médias das sondagens, os partidos populistas de extrema-direita na liderança, não se vislumbram mudanças significativas no mapa político-partidário da União até às eleições europeias de 2024. Além disso, Espanha assumirá a Presidência rotativa do Conselho da UE em julho deste ano (em plena campanha para as eleições gerais nacionais), sendo seguida, precisamente, pela Bélgica. Logo após as europeias, será a Hungria a liderar o Conselho da UE, precisamente durante as negociações sobre a distribuição dos principais cargos europeus. (Isto se Bruxelas deixar, dadas as atuais discussões sobre a “falta de credibilidade” do país para cumprir essas tarefas). Por fim, adivinhem? Sim, vem a Polónia. Não admira que as hostes da direita europeia se vão animando e sonhando com uma aliança de conservadores no Parlamento Europeu, liderada por Giorgia Meloni.

Posto isto, pergunta o leitor: neste contexto, pode-se fazer alguma leitura nacional, portuguesa? Faça a que lhe aprouver. O que parece evidente é que, desde os meados dos anos 1980, a Europa vive mudanças societais estruturais – a diminuição da classe operária, a secularização da população, as migrações internacionais, os neonacionalismos, a antiglobalização, a islamofobia ou o euroceticismo. A direita europeia, mas não só, tem investido nestes temas e tem explorado as dimensões identitárias que daí brotam.

A esquerda, principalmente a que após a crise financeira ocupou e se aproximou do poder, é percecionada como estando distante das causas que tocam no quotidiano das pessoas. Parece circunscrita à luta pelas questões ambientais, de moralidade ou género. Convém que a esquerda europeia, aquela que ainda resiste, saiba compreender e lidar com esta segunda vaga de direitização na Europa, começando talvez por estudar a sua (falta de) reação à primeira. O futuro parece promissor, considerando que a liderança da esquerda europeia está nas mãos daquele que é, amiúde, apelidado de “Boring Olaf” ou de “o homem mais aborrecido da Alemanha”. São alísios os ventos que correm na Europa por estes dias.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: botelho.moniz@ulusofona.pt

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