Opinião

As Causas. Partidos adolescentes e velhos

Confrontados com genuínos adolescentes, os avós tornam-se em “pais com açúcar”. Perante partidos adolescentes os envelhecidos acabam a deixar-se invadir pela memória da sua própria adolescência, a desvalorizar os riscos, ou ao menos acham que não conseguem fazer nada contra isso

Por uma curiosa coincidência, este fim de semana o BE fez o seu Congresso e o Chega reuniu o Conselho Nacional.

Têm eles muito em comum, sobretudo serem “partidos adolescentes”.

Como se isso não bastasse, os outros são “partidos velhos”, diz um velho e com sinceridade.

Fazem falta “partidos adultos”, que tenham energia e convicções, mas não acreditem na Fada Sininho e nos “pozinhos de perlimpimpim”.

A MEGALOMANIA DA OMNIPOTÊNCIA

O BE elegeu Mariana Mortágua – a discípula dileta de Francisco Louçã (outros, mais literatos do que eu, diriam “a Pupila do Senhor Reitor”) – que foi eleita com um landslide de 80% e com o lema “Uma Vida Boa”.

E por “Vida Boa”, acreditem em mim, ela pretende que os portugueses tenham tudo aquilo com que sonham, e rapidamente.

No Chega, André Ventura anunciou – sem se rir – que se o Presidente da República não dissolver a Assembleia da República até ao Verão, em setembro apresentará uma moção de censura para derrubar o Governo.

Como sabem, por muito que os radicais de esquerda e de direita fiquem horrorizados, entre o BE (ainda mais na versão Mortágua, que aí vem) e o Chega há muitíssimo em comum.

Hoje, e para o confirmar, gostaria de elaborar sobre a tese de que estamos perante dois “partidos adolescentes”.

Ainda me lembro bem do que é ser adolescente, e tenho naturalmente saudades disso. Entre outras coisas, a adolescência carateriza-se pela convicção e pela energia: o adolescente acha que pode mudar o Mundo, e nele todas as coisas de que discorda, e sente-se com forças para o fazer. Como diz quem sabe, sofrem da “megalomania da omnipotência”.

Foram adolescentes que em maio de 1968 crismaram o mais idiota slogan político de todos os tempos – e, se calhar, um dos mais poéticos: “sejam realistas, exijam o impossível”.

Inspirado em Herbert Marcuse, uma espécie de avô “eterno adolescente”, na altura com 70 anos, a frase é sempre usada contra o reformismo, a estratégia de pequenos passos, a esquerda moderada (“social-fascista”, dizia o Comintern de Estaline) … e rapidamente muitos deles estavam a apoiar o maoísmo.

Bibliothèque nationale de France

Mas também os radicais de Direita são assim. Também por ali se acredita na poesia, neste caso em Nietzsche e na sua “Vontade de Poder”, que é o “desejo insaciável de se ser mais do que aquilo que se é presentemente” … e muitos deles acabaram a apoiar o nazismo.

OS ESTEROIDES DO BLOCO DE ESQUERDA

A essência do populismo pode nem ser isso, mas sem dúvida que os esteroides, que os partidos adolescentes usam, servem para a intoxicação permanente dos povos para que acreditem que tudo é possível, sem efeitos secundários, e que são os poderosos, os plutocratas, os políticos, em geral os adversários que impedem o paraíso na terra.

Os verdadeiros adolescentes estão de boa fé nas suas fantasias. Os que recusam sair da adolescência (têm “síndrome de Peter Pan”, dizem os especialistas), ou estão de má fé ou devem tratar-se. Todos eles acreditam, como é evidente, na Fada Sininho e nos “pozinhos de perlimpimpim”, ainda que usem outros nomes.

Mariana Mortágua é intelectual e emocionalmente mais radical do que Catarina Martins. Nesta última sentia-se sempre a (excelente) atriz que há nela. A nova líder é mais genuína no seu radicalismo, acho que acredita sinceramente como uma adolescente no que exige de tudo e todos e não faz teatro quando estigmatiza os inimigos.

Não sei se terá mais sucesso do que a sua antecessora. Mas sem dúvida que se vai afastar mais do PS, em vez de o tentar influenciar com pequenos passos. É bom, é mau? Veremos.

Seja como for, a adolescência (“uma doença que passa com o tempo”, disse Jô Soares) sempre foi assim, como é evidente. Sempre houve partidos e causas radicais e marginais.

O que é novo é o acesso que as redes sociais e até os “media” tradicionais permitem ao que deixa de ser pueril quando se torna endémico e condiciona o comportamento dos outros, neste caso dos próprios “partidos velhos”, velhos como avôs.

CHAMAR OS ADULTOS À SALA

Um problema real da política portuguesa e europeia é que os partidos moderados estão a ficar velhos.

O que os partidos adolescentes têm em excesso falta aos partidos velhos.

Estes últimos não têm carisma, energia, entusiasmo, convicções. Não despertam paixões nem motivam. De alguma forma, acham que não têm futuro e isso sente-se muito. São apenas, e sem ilusões, gestores desencantados do dia a dia.

Confrontados com genuínos adolescentes, os avós tornam-se em “pais com açúcar”. Perante partidos adolescentes os envelhecidos acabam a deixar-se invadir pela memória da sua própria adolescência, a desvalorizar os riscos, ou ao menos acham que não conseguem fazer nada contra isso.

Nalguns casos até tentam copiá-los, caindo apenas no ridículo. Isso é talvez mais patente no caso dos socialistas, surge às vezes no PSD e apenas o mais velho de todos – o PCP – nunca transige: a memória da tese de Lenine “O Esquerdismo, doença infantil do comunismo” está sempre bem viva.

O que falta em Portugal – e é pena – são “partidos adultos”, na força da vida: ainda com energia, determinação e crença no futuro, mas já com experiência e sobretudo que recusam entrar em aventuras.

O “Iniciativa Liberal” podia ser isso, mas vezes demais se sente nele a síndrome de Peter Pan.

O PSD e PS deviam pensar seriamente nisto e tentar rejuvenescer um pouco, mas não veja nada nesse sentido a acontecer.

Os portugueses agradeceriam. Como alguém de dizia há semanas, “quando é que chamam os adultos para a sala”?

“TUTTI FRUTTI” E ESTADO DE DIREITO

Depois de mais de 6 anos a investigar sem contraditório, sem um único arguido, a PJ (ou o Ministério Público) passou para a TVI muita informação que só existia no inquérito “Tutti Frutti”.

Depois deste inadmissível abuso, nem uma curta entrevista entre portas do “Supremo Magistrado da Nação”, nem uma palavra da ministra da Justiça (de quem depende a PJ), nem a abertura de um inquérito pelo MP (a quem compete fazê-lo), nem um protesto no Parlamento, nem uma palavra da Ordem dos Advogados (apesar do dever estatutário de lutar pelo Estado de Direito e pelos direitos dos cidadãos mencionados).

Fica aqui, pois e à falta de melhor, o protesto de um antigo Bastonário e de um velho advogado reformado.

Isto dito, duas notas finais:

a) Parece sair da mais pura e louca teoria da conspiração a tese de que o PSD e o PS se juntavam em Lisboa para fazer batota nas eleições;

b) O que não parece falso, são as conversas reveladas nas escutas e o que delas consta.

Costuma dizer-se que nem Deus consegue voltar a meter a pasta de dentes no tubo de onde foi espremida. Ou seja, não podemos “desler” o que lemos.

Felizmente a reação de Luís Montenegro foi típica de um “partido adulto”: admitir que houve erros, não entrar em pânico como um adolescente, nem desvalorizar o assunto com cinismo de velho.

Ou seja, o PSD optou por se distanciar de pessoas a quem ninguém tem o direito de exigir que venham dizer que as gravações são falsas, que têm direito a presunção de inocência, mas que bem ou mal passaram a ser tóxicas na passada semana.

Eu sei, isto não podia ser menos oportuno por estes dias para Luís Montenegro (como também é o regresso inopinado do antigo presidente da Câmara de Espinho à Assembleia da República, em que Montenegro foi eficaz e corajoso), mas a política é um mundo violento.

E, em regra, é na adversidade que se veem (ou nascem) os líderes.

QUE VIRÁ DE ESPANHA?

As eleições espanholas (regionais e autárquicas) são importantes para nós. De alguma forma (felizmente ao modo envelhecido que atrás referi), pode agora a Espanha ser a vacina que nós fomos para o país irmão em 1974-75.

Em resumo: os socialistas foram fortemente derrotados no domingo.

O PP (mais ou menos equivalente ao PSD) vai ter de se aliar com o VOX (mais ou menos equivalente ao Chega) em Valência, Aragão, Baleares, Extremadura e Cantábria para formar governos regionais. E também em muitas autarquias, entre as quais a 3.ª e 4.ª maiores de Espanha, Sevilha e Valência.

Por isso, o PSOE antecipou legislativas para 23 julho e vai, evidentemente, fazer campanha como o PS gostaria de vir a fazer (e em alguma medida fez há um ano), como se a guerra civil e o franquismo estivessem a chegar.

É verdade que os socialistas já fizeram acordo para aprovar em novembro o Orçamento do Estado para 2023, com o partido Bildu (que este ano candidatou 44 antigos militantes da ETA que tinham sido condenados por crimes de sangue), e com alegria, como se vê nesta notícia, na foto do Secretario de Organización del PSOE, Santos Cerdán, com a deputada do Bildu, Bakartxo Ruiz, e preveem-se acordos de abstenção para viabilizar governos quando um dos dois partidos necessite a nível autárquico.

Mas no caso PP/VOX será mais do que isso, trata-se de alargar o que já ocorrera na região de Castela e Leão, ou seja coligações de governo regional e autárquico.

O que se passar em 23 de julho aqui ao lado vai marcar a vida política portuguesa. Se a Direita ganhar (o VOX é ideologicamente mais radical do que o Chega) teremos acordos idênticos em Portugal.

Se perder, isso será muito improvável.

O ELOGIO

O ministro da Economia, Costa Silva, deu uma entrevista ao jornal espanhol “El Mundo” em que anunciou que o nosso Governo vai baixar impostos.

Disse “vamos baixar mais”, o que é uma liberdade poética, que sendo assim não prejudica o elogio.

DR

LER É O MELHOR REMÉDIO

Se em toda a vossa vida só tiverem tempo para ler um autor, leiam o dramaturgo, romancista e jornalista brasileiro Nelson Rodrigues que tendo morrido em 1980 parece estar cada vez mais vivo.

Se apenas conseguirem ler um biógrafo, peguem em Ruy Castro, felizmente ainda fisicamente entre nós.

DR

“A vida por escrito: ciência e arte da biografia”, de 2022, foi agora editada pela Tinta da China, que em 2017 editara “O anjo pornográfico – a vida de Nelson Rodrigues”.

DR

Ruy Castro escreveu os dois. Espero que a biografia ainda não tenha esgotado, mas por favor se assim for procurem uma outra biografia de Ruy Castro e verão que se não arrependem!

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

Recebi uma mensagem que refere que a estrada de Manteigas para Piornos (um dos três acessos à Torre) está encerrada por razões de segurança, desde o fogo devastador de 6 de agosto de 2022 e que só há dias a Infraestruturas de Portugal (IP) encontrou uma solução que deverá estar implementada em setembro, ou seja, mais de um ano depois.

A pergunta é talvez brutal, mas aí vai ela: se o ministro Galamba tivesse uma casa nessa maravilhosa via de acesso, no vale glaciar, não estaria já tudo resolvido?

E, registo de interesses, passo férias nas Penhas da Saúde e por isso não preciso da estrada para ser feliz, mas fico infeliz por mais esta prova do modo como se trata o Interior de Portugal.

A LOUCURA MANSA

Eu tinha avisado, mas ainda assim não queria acreditar.

Em outubro foi criada a Direção Executiva do SNS e dentro de dias faz 6 meses que tomou posse Fernando Araújo como CEO do SNS.

Hoje o Observador revela que o organismo ainda não tem Estatuto, ou seja, ninguém sabe quais são os poderes e competências que foram dados a Araújo.

A desculpa, esfarrapada, é que sendo uma entidade nova tudo tem de ser feito com muito cuidado.

A verdade é óbvia: há muitos interesses e poderes que se sentem afetados e resistem. Araújo deve ter uma paciência de santo, mas como eu desde o início temia, isto vai acabar mal para ele…

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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