Opinião

Marx no Antropoceno

Atualmente, já seriam necessários mais de dois planetas Terra para que as nossas economias e estilos de vida fossem viáveis. Porém, só temos um

A conferência “Beyond Growth” acaba de passar pelo Parlamento Europeu, tendo recebido nomes como Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, entre tantos outros. Ao longo de três dias, debateu-se a (in)viabilidade de conciliar crescimento económico e sustentabilidade. Sendo hoje consensual que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e o Acordo de Paris não são compatíveis com o nosso modelo de desenvolvimento – extrativo, poluente, desigual e centrado no crescimento –, resta saber se ainda vamos a tempo de um modelo de crescimento verde e inclusivo, ou se teremos de decrescer, de modo a assegurar a continuidade da vida humana na Terra. Tanto os defensores do crescimento verde, como os da inevitabilidade do decrescimento, partilham como prioridade o bem-estar das pessoas e do planeta. Porém, se para os primeiros o sistema ainda é reformável, para os segundos essa ambição é utópica – pelo que se impõe algo disruptivo.

O relatório do Clube de Roma “The Limits to Growth” (1972) é de uma clareza cristalina: é um absurdo matemático acreditar em crescimento económico perpétuo, no aumento contínuo da produção, num contexto de recursos finitos e de profundos impactos nos equilíbrios vitais do planeta. Mesmo com toda a criatividade humana e o progresso tecnológico a nosso favor, o atual modelo de desenvolvimento levar-nos-á sempre à exaustão irreversível do planeta nas próximas décadas. Sobre isso, a ciência é cada vez mais clara – e indiferente à nossa opinião. Como dizia Kenneth Boulding, “anyone who believes that exponential growth can go on forever in a finite world is either a madman or an economist.”

É verdade que o esforço para tornar as nossas economias mais circulares, isto é, menos extrativas e poluentes, é útil e pode ajudar. Porém, o aumento da população, combinado com o aumento do poder de compra e das expetativas de consumo, colocará sempre em cheque os limites e equilíbrios do planeta. Atualmente, já seriam necessários mais de dois planetas Terra para que a economia global e os nossos estilos de vida fossem viáveis. Porém, só temos um – e já estamos a viver a crédito das gerações futuras desde 1970.

Neste contexto, será o crescimento verde uma opção? Kate Raworth defendeu que não e lembrou que mesmo os países mais bem-sucedidos no decoupling, isto é, a conciliar crescimento económico e redução da pegada ecológica, não o estão a fazer ao ritmo necessário. Pegando no desafio da descarbonização, os melhores estão a conseguir reduções anuais das emissões de 1-2%, porém, cumprir o Acordo de Paris implicaria reduções de 8-10%. Acresce que não estão a conseguir decoupling ao nível dos recursos naturais. Por exemplo, a transição para veículos elétricos reduz as emissões, mas implica extração de minérios (como o lítio). Resta-nos, assim, a via do decrescimento.

Em mais de 500 milhões de anos de vida na Terra, está em marcha a sexta extinção em massa – o Antropoceno. Ou as nossas economias e sociedades se tornam rapidamente regenerativas e inclusivas, ou o decrescimento será mesmo a nossa única saída. No curto prazo, ele terá um custo económico, mas que será sempre inferior ao de levarmos o planeta à exaustão. Acresce que não devemos conferir demasiada centralidade a essa preocupação, sob pena de ficarmos reféns do atual paradigma de desenvolvimento. Até Kuznets, o economista que propôs o PIB como medida de progresso económico, defendia que ele não servia como medida de bem-estar. Afinal de contas, há tantas outras dimensões – e mais importantes – a ter em consideração, tais como, a saúde, a educação, o amor e a liberdade. Veja-se a composição do Better Life index, da OCDE.

No plenário final, Tim Jackson apresentou a sua visão de prosperity without growth. Se, no imediato, for necessário decrescer, não se trata de provocar uma recessão descontrolada, de planic (planned panic), mas sim de abandonar setores que não contribuam para o nosso bem-estar coletivo, tais como, combustíveis fósseis, produção industrial de carne, fast fashion, aviação comercial low cost (e jatos privados), e a própria publicidade – que induz a lógica de consumo desenfreado, supostamente para que cada um se encontre a si e à felicidade. Em alternativa, o capital seria canalizado para infraestruturas necessárias à transição verde, e para setores e atividades regenerativas e de caring (cuidar dos outros) – o que deveria manter o emprego, mas não o PIB.

Quanto à coesão social, ela terá sempre de assentar, entre outros aspetos, numa melhor redistribuição da riqueza. O PIB per capita mundial anual ascende hoje a cerca de 17 mil euros. Não será suficiente para assegurar uma vida digna para todos? A pergunta não é realista? Quem decide o que é realista e com base em que visão do mundo? Os economistas? Os mercados financeiros? Os bancos centrais? O que não é justo e realista é não reconhecer limites ao planeta – e entre crescimento hoje e vida amanhã, continuar a escolher o primeiro.

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