Se nos seus primeiros mandatos Recep Tayyip Erdogan levou a Turquia a uma aproximação progressiva aos valores ocidentais, numa substituição do militarismo nas posições chave por personalidades da sociedade civil e dos partidos, onde o papel da religião se foi substituindo pela laicidade do Estado, inspirado na doutrina do líder histórico e fundador da República da Turquia Kamâl Atatürk, nos últimos anos, tornou-se um líder autoritário, repressor, militarista e sobretudo fazendo regressar Turquia a um caminho onde a religião voltou a andar de mãos dadas com o poder político.
Para muitos observadores esta transição inicial de Erdogan deveu-se apenas às exigências da União Europeia e ao desejo turco de vir a pertencer ao projeto europeu para o qual foi cumprindo e ultrapassando diversos capítulos do habitual processo de integração europeia pré-adesão. Jamais foi uma convicção ou um desejo de mudança. Frustrada essa expectativa, Recep Tayyip Erdogan voltou a conduzir a Turquia ao seu passado clerical, opressor e controlador.
Por incrível que pareça, apesar desta inversão de caminho nunca deixou de usar em todas as suas ações a fotografia de Atatürk, fossem comícios, inaugurações ou nos mais diversos edifícios públicos. Apesar da sua mudança política nunca deixou de tentar colar-se à imagem do líder histórico cuja doutrina violava cada dia numa tentativa de justificar os seus atos com o exemplo do fundador da democracia turca.
Verdade seja dita que o Erdogan nunca teve vida fácil nem as suas vitórias foram esmagadoras. Apesar de toda a repressão política e a disparidade de meios, quase todas as suas eleições foram muito disputadas. Ao contrário da Rússia, na Turquia os partidos da oposição vencem eleições, conquistam o poder em várias cidades e disputam os actos eleitorais sem serem imediatamente presos ou alvo de processos inquisitórios, salvo raras excepções.
Tive o privilégio de participar como Observador do Conselho da Europa no referendo constitucional turco de 2017 que visava reforçar os poderes presidenciais em pleno Estado de Emergência. Se o ato eleitoral em si não teve problemas de maior, os meios e o acesso à comunicação social, as limitações aos eventos e à campanha eleitoral violaram claramente o processo democrático como então tive oportunidade de denunciar e de subscrever o relatório final. Mas já aí se via o fim do regime, o enfado dos cidadãos e uma procura por parte dos partidos da oposição em unir esforços para vencer Erdogan e as suas políticas.
Como referiu à BBC o candidato que lidera as sondagens “a juventude quer democracia. Não quer a polícia a bater-lhes à porta de madrugada só porque escreveram um tweet”. Kemal Kilicdaroglu tem 74 e lidera uma coligação de seis partidos que compreenderam a necessidade de unir esforços para vencer o histórico AKP de Erdogan. Atrevo-me a dizer que se Ataturk fosse vivo votaria de caras no seu homónimo Kilicdaroglu.
Ao que parece nem as mais recentes investidas internacionais de Erdogan a procurar mediar o conflito na Ucrânia reforçaram a sua popularidade interna e a confiança dos cidadãos turcos que provavelmente estão fartos de Erdogan e da repressão constante do seu regime.
A Turquia é um país incrível, com uma cultura e um povo extraordinário, com uma indústria fortíssima e onde a sua multiculturalidade ímpar merece uma democracia sólida, transparente e que respeite os direitos humanos. É isso que está em causa nesta eleição.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes