Opinião

Dia da Europa: a Europa por estes dias

Dia da Europa: a Europa por estes dias

Jorge Botelho Moniz

Diretor de Estudos Europeus e Relações Internacionais na Universidade Lusófona

A 9 de maio celebra-se o Dia da Europa. Esta terça-feira é a 37ª comemoração deste aniversário, que lembra a importância e utilidade da União Europeia e recorda a Declaração Schuman. É tempo de reflexão e autocrítica, mas, acima de tudo, é um momento para comemorar a paz, a prosperidade, a democracia, a dignidade humana e o pluralismo. Se nada disto lhe for caro, aproveite o Dia para ponderar as alternativas

O Dia da Europa é um daqueles momentos que não resiste aos paradoxos europeus. Quer ser um dia de união, mas tem dificuldades em encontrar consenso – existem dois Dias da Europa, um a 5 e outro a 9 de maio. O primeiro comemora a fundação do Conselho da Europa, em 1964, enquanto o segundo, da União Europeia (U), recorda a Declaração Schuman, de 1950. Ou seja, à falta de unanimidade, maio tornou-se no mês da Europa e as duas datas mantêm-se vivas. Ou seja, este ano celebram-se os 59 anos do Conselho e os 73 da Declaração. Parabéns, Europa(s)!

Esta Declaração do antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de França Robert Schuman é, provavelmente, um dos discursos mais marcantes do século XX. Mas hoje, tal como na época, poucos são os interessados. Envolta em grande secretismo, para garantir o seu sucesso político e diplomático, a Declaração foi um fracasso inicial. Consta que, por terem sido notificados à última hora, poucos jornalistas compareceram na conferência de imprensa e os que o fizeram não foram munidos de equipamento fotográfico, radiofónico ou televisivo. Schuman acabaria por ser obrigado a repetir a sua alocução, de modo a registá-la para a eternidade.

A Declaração é um marco da Europa pós-Segunda Guerra Mundial, sobretudo pela sua capacidade de juntar franceses e alemães em torno de um projeto político comum de paz (a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, CECA) e pelo seu apelo à construção e unificação europeia através de elementos concretos e da solidariedade entre nações. Aqui se começa a construir a União que conhecemos hoje: integração europeia, acesso a e controlo de fontes de produção, partilha e cedência de soberania, mercado único e livre circulação, interdependência económica e energética, conceção de um bem-estar social perene e desinvestimento em segurança.

A construção desta ideia de uma Europa pós-guerra, de paz e prosperidade perpétuas, bate de frente com a realidade atual. A guerra, a aceitação da sua possibilidade, põe em questão os limites do próprio modelo político, económico, social e cultural da UE. E há várias vozes com desejo de que esses limites sejam ultrapassados. Vários brados à falência deste modo de vida europeu. É natural que todos os modelos de desenvolvimento económico e social, incluindo o europeu, se possam esgotar. Contudo, a ideia de fim desta ordem europeia vai sendo glorificada.

Exaltam-se os méritos da desglobalização, dos nacionalismos, da balcanização ideológica, do protecionismo, das autocracias e democracias competitivas. Aclama-se com entusiasmo a formação de ordens internacionais alternativas impulsionadas pela China (com campos de “reeducação” e com sistemas de pontos para a população), Rússia (com crimes contra a humanidade e a contratação de empresas militares privadas), Índia (com o recrudescimento da intolerância e violência religiosa) ou Arábia Saudita (com discriminação contra mulheres e assassinato de vozes críticas em representações diplomáticas).

Estes modelos alternativos vão sendo engrandecidos pela forma assertiva como procuram garantir os seus objetivos. Com isso, vai proliferando uma narrativa mestre – uma verdade simples, unilinear e unívoca – sobre a suposta falta de futuro do modelo de desenvolvimento europeu e dos seus valores subjacentes. Há um entusiasmo, pouco contido e seletivo, acerca da ideia de irreversibilidade do fim da Europa, o epílogo da hegemonia ocidental.

Dizer que desde a Declaração Schuman ou desde a primeira celebração do Dia da Europa, em 1986, o mundo mudou, parece eufemístico. No entanto, a vantagem de se viver em/na União é que há conquistas perenes e inegociáveis, direitos que são de uma temporalidade mais longa, durável. Claro que existem e existirão incongruências (esta Hungria na UE, a política de migração ou o Catargate). Mas é apenas isso que são: exceções que confirmam a regra. É, por isso que continua a ser salutar que nos surpreendamos quando há guerra no nosso continente, quando o modelo de bem-estar social mostra fragilidades ou quando democracias muito imperfeitas brotam na União. É por isso que se celebra o Dia da Europa ou, se preferir, a Europa por estes dias.

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