Brincar à política
Uns divertem-se com a dissolução, os outros inventam brincadeiras e brincadeirinhas
Uns divertem-se com a dissolução, os outros inventam brincadeiras e brincadeirinhas
Nos meus tempos de escola havia sempre algum menino que levava um carrinho ou uma bola e gritava “não empresto, não empresto”. Também havia os que insistiam em brincadeiras que só a eles interessavam. Está assim a nossa política.
Marcelo, o traquinas, decidiu brincar com ameaças de dissolução de uma maioria absoluta logo que o Governo tomou posse. Depois foi-se divertindo com o termo sem que mais ninguém se juntasse a ele.
Até que…
Até que houve quem decidisse que podia fazer o que bem lhe apetecia e desatou a irritar todos os outros. Foram brincadeiras e brincadeirinhas que exasperaram. Só então quem teve a iniciativa de jogar à dissolução percebeu que tinha lançado um jogo que ainda não queria começar e já o estava a incomodar.
O problema é que já havia muitos que não queriam mais brincadeiras e brincadeirinhas. E agarram a ideia do jogo.
Vem isto ao caso com o que passa na nossa política.
A discussão sobre a dissolução da Assembleia da República ganhou pernas. Tirando alguns dirigentes partidários de direita, parece que todos os restantes perceberam que não é cenário que se ponha. Serve, no entanto, para manter o Governo a cozer em lume brando e para animar uns não sei quantos programas e artigos de audiência garantida. Não mata, mas mói.
Enquanto este debate anima quem vive da política, os que gostam de brincadeiras mostram uma imaginação ilimitada para as inventar.
Este episódio do parecer sobre a demissão da CEO da TAP é mais uma brincadeirinha para animar a malta. As comissões parlamentares de inquérito têm regras bem definidas, equiparando-as a inquéritos judiciais, que impõem a obrigatoriedade de sigilo aos deputados e à comissão de inquérito. No seu regulamento consta que nada do que for fornecido sob segredo pode ser divulgado.
Não se percebe, assim, o argumento de que divulgar o célebre parecer que o Governo terá sobre a razoabilidade do despedimento por justa causa dos presidentes da TAP pode afetar a defesa dos interesses do Estado. Os ministros que o fornecerem podem exigir segredo e os regulamentos destas comissões até estabelecem como podem ser investigadas e punidas as quebras de sigilo. O argumento de que o documento está fora do âmbito da comissão, por ser posterior à data de início dos trabalhos, também é pouco razoável — para não usar adjetivo mais forte —, dada a relevância que tem.
E pronto. Enquanto uns constroem brincadeiras e brincadeirinhas — será que têm tempo para outras coisas mais importantes? —, outros jogam à dissolução.
Seria motivo para toda a gente se divertir, não fosse uns e outros estarem a pôr em causa aspetos essenciais da democracia: a estabilidade e a transparência.
Resta assistir sem poder mudar de canal. Ou talvez sim, para o Netflix.
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