Opinião

Cobardia, preguiça ou imaginação?

Quem quer conhecer a opinião de quem não se conhece? As análises das fontes anónimas alimentam a informação ou corroem-na?

Há anos que é assim, mas nada justifica que assim continue. Quando uma qualquer polémica aquece, televisões e jornais, em papel ou online, dão largo espaço ao tema, multiplicam a recolha de opiniões que se confrontam (nos melhores dos casos, pois por vezes parecem sincronizadas), mas fazem segredo sobre quem disse o quê. Por trás das afirmações mais bombásticas estão “fontes bem informadas”, dirigentes “históricos” ou respeitados “investigadores”.

Quem são eles, afinal? Por regra, gente sem coragem para dar a cara pelo que pensa. Não por não poderem, mas por não quererem, a bem das suas carreiras.

Argumentar com a necessidade, bem clara no Código Deontológico dos Jornalistas, de identificar os autores das opiniões é a mais básica das críticas aos jornalistas que entram no jogo. Muitos abusam, mesmo.

Não identificar quem defende determinado ponto de vista e deixá-lo escondido sob o pseudónimo de “fonte conhecedora”, é abrir a Comunicação Social à intriga palaciana. Acresce que este mau serviço impede o leitor de saber quem é o autor do raciocínio e, assim, nega-lhe a possibilidade de fazer um juízo sobre a validade dos argumentos tendo em conta a idoneidade do autor.

Esta prática torna-se quase regra quando as polémicas se incendeiam. Toda a gente quer mostrar serviço e lá aparecem inúmeros textos com opiniões definitivas, de rutura, inesperadas, contundentes, incendiárias. O recurso a anónimos permite construir enredo que o leitor não pode comprovar e ninguém consegue desmentir. Quem pode negar que “entre os militantes - qualquer que seja o partido - há quem mostre desagrado” e que “um influente dirigente partidário defende a convocação de um congresso”? O anonimato e a generalização impedem que se afira ou desminta o que fica escrito.

Quando mais se precisa de pontos de reflexão, mais se esconde de onde eles partem. A polémica aquece e os pensadores citados pela Comunicação Social passam à clandestinidade.

Vivemos um momento em que a política anda agitada. Multiplicam-se os textos sobre divisões nos grandes partidos – e até nos mais pequenos. Alguns militantes estão com a liderança, outros querem disputá-la. Haverá sempre “um conhecido dirigente” ou um “histórico do partido” ou uma “fonte partidária” capaz de afirmar o que se pretende ouvir. E outros tantos que, a coberto do segredo, poderão dizer o contrário, se tal for necessário para alimentar a polémica, edição após edição.

Nunca consegui perceber como alguém quer construir uma carreira política escondendo as suas convicções, estratégias ou pensamento. Claro que têm um propósito: o de abrir caminho para um dia saltarem a cerca. Até lá, fazem de alguma Comunicação Social – que alinha sem pudor – os porta-estandartes.

Atribui-se, por regra, ao ex-jornalista do Expresso Marcelo Rebelo de Sousa a “invenção” desta forma de escrever sobre política. A coisa pegou e alastrou. Quando deixou os jornais e passou a fonte, aproveitou para se divertir. Que o diga Paulo Portas, então jornalista, que pensava ter relatado o que se teria passado durante um jantar no Palácio de Belém em que se comeu vichyssoise e que veio a saber-se nunca ter existido. Não sei se Portas já perdoou a maldade a Marcelo, mas ficou na história do jornalismo português.

A política, porém, não tem o exclusivo. Veja-se alguns artigos que foram escritos sobre o denunciado assédio de Boaventura Sousa Santos para ver como os seus detratores dizem o que pensam mas não assinam o que afirmam. Um ‘investigador da velha guarda’ diz que…; ‘vários membros séniores’ defendem…; e há uma ‘outra investigadora” que “sublinha”… Será verdade ou estão a servir-nos de outra vichyssoise? Não seria possível ignorar os que se acobardam e encontrar quem se pronuncia dando o peito às balas? Certamente que haverá “investigadores sérios” que não temem represálias.

Sobre os casos judiciais é frequente ler textos em que “fontes ligadas ao processo” dizem que está tudo a correr bem para a defesa e, noutro jornal, que “juristas conhecedores do processo” afirmam o contrário. O mais provável é que sejam “fontes” de lados opostos. É o mais certo.

Como validar o interesse das opiniões se são secretas? O militante partidário alegadamente citado é um discreto dirigente de uma recôndita concelhia ou alguém que “controla o aparelho”? O “investigador” cuja opinião foi acolhida é alguém com prestígio académico ou um sociólogo que se travou de razões no passado com o agora acusado?

O interesse da opinião depende, obviamente, da credibilidade de quem a emite. A repercussão que a comissão de inquérito à TAP conseguiu tem muito a ver com o sabermos quem diz o quê. Vimos a cara de quem disse o que disse. Ouvimos as suas versões. Pudemos julgar a credibilidade. Não será evidente que é assim que ficamos informados?

Nos antípodas estão os textos em que o autor descreve com todo o pormenor o debate numa reunião à porta fechada, apresenta-se como o mais bem informado dos repórteres, conta uma história bem contada. Todavia não diz quem lhe disse nem quem tem as opiniões que reproduz.

Usar fontes anónimas é lícito para relatar factos comprováveis, mas apenas em circunstâncias em que o anonimato é essencial para preservar o informador.

Não sei se é cobardia das fontes, se preguiça em procurar quem dê a cara pelo que diz, se imaginação do jornalista que assina, convencido de que o seu texto tem a credibilidade que lhe confere o prestígio do órgão em que escreve. Não são os leitores que têm de acreditar no jornalista, são os textos que não podem deixar dúvidas a quem os lê.

O que sei é que assim se constroem intrigas, mas não artigos jornalísticos válidos. Dar relevo a opiniões que não responsabilizam quem quer que seja é alimentar os artistas da intriga.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: garciajadag@gmail.com

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas