Opinião

A China que a União Europeia quer

A China que a União Europeia quer

Jorge Botelho Moniz

Diretor de Estudos Europeus e Relações Internacionais na Universidade Lusófona

A visita da presidente da Comissão Europeia e do Presidente Macron à China é uma tentativa de ultrapassar o número crescente de irritantes nas relações bilaterais União Europeia-China, mas é, acima de tudo, uma forma de a União se mostrar mais assertiva e afirmar que tipo de China quer

À medida que o ambiente político União Europeia (UE)-China se vai deteriorando, os laços económicos vão avançando sem uma estratégia sobre o tipo de relações que se pretende estabelecer. O próprio Serviço Europeu de Ação Externa (EEAS), uma espécie de MNE europeu, descreve essa ambiguidade brilhantemente: “a China [é] simultaneamente [um] parceiro de cooperação e negociação, concorrente económico e rival sistémico." E o que dizer dos “irritantes” que o EEAS discrimina nesta relação, nomeadamente as “contramedidas da China às sanções da UE em matéria de direitos humanos, a coerção económica e as medidas comerciais contra o mercado único e a posição da China na guerra na Ucrânia”.

Não obstante a deterioração das relações diplomáticas, a UE e a China são os principais parceiros comerciais de mercadorias. Em 2021, o seu comércio equivalia a quase €2 mil milhões por dia(!) – é como se o PIB de Cabo Verde fosse transacionado todos os dias. Ou seja, por um lado, o contexto político não é favorável à ratificação de um Acordo Abrangente sobre Investimento; mas, por outro lado, como as relações comerciais se mantêm sãs, os laços UE-China continuam a desenvolver-se em piloto automático, sem uma visão de longo prazo.

Ora, segundo a Comissão, isso está prestes a mudar. Num discurso recente na MERICS, think tank alemão atualmente sancionado pela China, Ursula von der Leyen aludiu à necessidade de políticas mais afirmativas relativamente a Pequim. A estratégia da UE passa pela diminuição da sua exposição à China, limitando a vulnerabilidade europeia a uma eventual mudança sistémica – uma ordem internacional alternativa com a China no centro.

Nessa comunicação, von der Leyen iluminou-nos sobre a China que a União Europeia gostava de ter:

  1. Uma China não coerciva em questões económicas e comerciais. Isto é, uma China que não use a dependência de e a vantagem económica sobre países mais pequenos para alcançar os seus objetivos. Que não distorça as regras comerciais internacionais, através de práticas discriminatórias. Que diferencie os seus sectores militar e comercial e respeite as regras associadas aos produtos de dupla utilização, às tecnologias sensíveis e à transferência de conhecimento.
  2. Uma China que, ao nível geopolítico, não manipule a informação e não interfira na política de outros países. Que diminua o potencial aumento de conflito no estreito de Taiwan. Que, aproveitando o seu ascendente sobre a Rússia e respeitando o seu lugar enquanto membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, defenda a soberania e a integridade territorial da Ucrânia.
  3. Uma China que respeite as suas obrigações internacionais relativamente aos direitos humanos. Em particular, a situação nos “campos de reeducação” de Xinjiang e a forma como os uigures e outras minorias são tratadas. Que respeite o direito à liberdade de expressão, não sancionado indivíduos e instituições que estudam, analisam e refletem sobre a realidade chinesa.

Esta imagem da China que a UE quer reflete uma vontade de recalibrar as relações bilaterais, reduzindo os riscos económicos e geopolíticos. Como disse a presidente da Comissão, a relação com a China é “uma das mais intrincadas e importantes … a forma como a gerimos será um fator determinante para a nossa futura prosperidade económica e segurança”. Isso não significa uma UE separada da China. Pelo contrário, a UE pretende garantir estabilidade diplomática e canais de comunicação com Pequim com base em alguns elementos comuns: não-proliferação de armas nucleares ou estabilidade financeira global.

Contudo, a China que a UE quer não é a China que a UE tem ou terá. Essa China, em competição profunda com os EUA, quer impedir o reforço de uma frente transatlântica contra Pequim, impondo simultaneamente restrições económicas, tecnológicas e comerciais aos europeus. Essa China, com olho no Sul Global, não tem qualquer agenda construtiva para a UE, desejando, sobretudo, adiar o desenvolvimento de uma política mais assertiva de Bruxelas para Pequim. Cabe à União Europeia usar os seus trunfos – a dimensão, estabilidade e conetividade do mercado único –, reduzindo proativamente as suas vulnerabilidades estratégicas e estabelecendo uma nova agenda coerente e assertiva. Isso não lhe dará a China que quer, mas, ao menos, pode dar-lhe uma China diferente.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas