Opinião

A esquerda roubou-nos a paz, o pão, a habitação, saúde e educação

Por que é que a esquerda nos roubou a paz, o pão, a habitação, saúde e educação? É tempo de acabarmos de vez com esta patranha. Se de boas intenções está o Inferno cheio, de más ideologias começa o país a estar farto

Hoje, vai outra vez ao som do Sérgio Godinho (podem ouvir aqui). Por que é que a esquerda nos roubou a paz, o pão, a habitação, saúde e educação?

O Miguel Esteves Cardoso, nos finais da década de 80, inícios da década de 90, chamou às músicas que ouvimos pela manhã e que não nos saem do ouvido, otovermes. Estou assim; mas não desde de manhã. Estou assim desde há quase 48 anos, quando o meu pai, um velho esquerdista forjado na pobreza de uma infância vivida no Estado Novo e iludido numa juventude carregada de "amanhãs que cantam", me a terá dado a ouvir pela primeira vez.

A paz, o pão, habitação

Saúde, educação

Só há liberdade a sério quando houver

Liberdade de mudar e decidir

Quando pertencer ao povo o que o povo produzir

Este apontamento demasiadamente pessoal não é uma exposição de privacidade, é uma exibição da cidade. Na cidade, no espaço público, o país habituou-se à exibição de virtudes da esquerda: se há desvalidos da economia, excluídos do poder, deserdados do progresso, a esquerda é a DDT (dona deles todos). Eu disse dona.

Para as tribos das ideologias, o que conta é o sonho, a virtude da ideia pura, a intenção de bondade clara. As pessoas são instrumentais. Pelo caminho, podem cometer-se toda a espécie de atrocidades, mas, ah!, a justiça social e a igualdade, uh!, a fraternidade e um mundo melhor, oh!, a união n'uma terra sem amos. É vê-los, do alto da sua altivez moral, a exortar as massas para a luta, a alertar o povo para as ameaças dos deploráveis; que, no seu vocabulário, por cá, costumam ser todos à direita do PS.

É tempo de acabarmos de vez com esta patranha. Se de boas intenções está o Inferno cheio, de más ideologias começa o país a estar farto.

Portugal inteiro - vou à boleia do debate sobre a habitação - vive todo enfiado num T3+1. Em que T é a tipologia de problemas que enfrenta.

Temos problemas estruturais, os primeiros, aqueles que afectam a sociedade portuguesa de forma determinante e há muitos anos: baixos rendimentos (somos o antepenúltimo país da zona euro em PIB per capita, apenas melhor que a Grécia e a Letónia, quando em 1995 estávamos melhor que Malta, Lituânia, Letónia, Estónia, Eslováquia e Eslovénia; piorámos!); baixa produtividade (estamos em antepenúltimo lugar na zona euro em produtividade por hora trabalhada); baixa competitividade (somos o 6.o país com o maior esforço fiscal da UE); fraca justiça e fraco combate à corrupção; e endividamento externo.

Temos problemas conjunturais, os segundos, resultantes da crise pandémica e da guerra na Ucrânia, com a inflação e a crise energética, mas agravados com a deterioração dos serviços públicos, o desinvestimento e o aumento da despesa fixa e permanente. As greves em sectores vitais da sociedade portuguesa (na educação, nos transportes e na justiça) e as demissões na saúde, cujas responsabilidades repousam no colo do Governo, tornam hoje a vida dos mais vulneráveis um inferno diário.

E depois temos os problemas socialistas, os terceiros, que são estruturais e conjunturais. Estruturais, porque não se conhece um país socialista que seja rico e que seja justo. Conjunturais, porque ao socialismo acrescentamos um PS que nos últimos 28 anos governou 22 (quase 80% do tempo) e que se transformou numa máquina de enriquecimento dos seus e de empobrecimentos dos outros.

Hoje, com uma esquerda que vive da luta de classes, do conflito social como motor do progresso, da dissensão, da erosão da coesão social, dos ricos contra os pobres, dos proprietários contra os que nada têm, dos protegidos dos sindicatos contra os vulneráveis laborais, dos instalados contra os desvalidos, dos comerciantes contra os consumidores, foi-se a paz.

O pão está mais caro, enquanto o Governo apresenta "lucros extraordinários" resultantes da cobrança do IVA, que redistribui sob a forma de apoios sociais uma pequena parte.

A saúde colapsou, enquanto a ministra Temido ouvia a Internacional. E não há sinais de melhoras: os que podem, têm seguros de saúde e pagam duas vezes; os que não podem ficam abandonados a horas de espera nos corredores, e rezam para que as maleitas coincidam com os horários das urgências.

A educação, na escola pública, depois de dois anos atípicos por causa da pandemia, a que se soma mais um ano perdido com interrupções lectivas, com greves a que o Governo não consegue dar resposta, lançou uma geração de alunos do básico e do secundário numa indigência lectiva, estruturalmente debilitante, cujo facilitismo nos exames só virá agravar.

E a habitação, num contraste demasiadamente flagrante com o Programa Especial de Realojamento (PER) que celebra 30 anos, é um somatório de "intenções" e "urgências" que estiveram arredadas das prioridades governativas nos últimos 7 anos. Numa coluna aqui ao lado, haverá quem venha com rodriguinhos, querendo menosprezar o PER, de obra feita, com as supostas virtudes do "Mais Habitação", ferido de credibilidade à nascença, como o Presidente Cavaco Silva cristalinamente assinalou este fim-de-semana.

Mas é a esquerda, camaradas. E com a esquerda o que interessa é sempre a luta feita hoje, em nome de um amanhã que raramente se vê, porque como diz um dos seus gurus: no futuro estamos todos mortos.

E, poupem-me ao dislate, não me venham com a conversa da social-democracia nórdica. A social-democracia nórdica é tão socialista quanto o Bloco de Esquerda é social-democrata ou a Coligação Democrática Unitária (CDU) é democrática. Eu sei que há alguns que, não percebendo a torpe ironia e a crua realidade, acreditam mesmo que o Bloco é social-democrata, que o PCP é democrata e que a social-democracia nórdica é socialista, mas o que fazer? Há cegueiras que são voluntárias.

Países mais pobres têm populações mais dependentes, populações mais dependentes têm pessoas mais vulneráveis, e pessoas mais vulneráveis são mais dóceis para com o poder. Isto, claro, enquanto o apoio vem, enquanto o apoio dura. Quando deixam de acreditar, tornam-se mais revolucionárias/reaccionárias (risque o que não interessar); em síntese, tornam-se mais reactivas. Os populistas agradecem. Até ver, tem ganho o PS e o Chega.

Dizia que Portugal tinha 3 tipos de problemas mais 1. Falta o último. O último é a incapacidade do centro-direita se afirmar coerentemente como alternativa a este estado de coisas. Se a esquerda nos roubou a paz, o pão, habitação, saúde e educação, só lhe resta resgatar para si o combate que, de facto, sempre foi seu: o da coesão nacional e o da prosperidade para todos.

A paz, o pão, habitação / Saúde, educação / Só há liberdade a sério quando houve / Liberdade de mudar e decidir / Quando pertencer ao povo o que o povo produzir é uma batalha da direita. Porque é à direita que cabe, hoje mais do que nunca, a defesa do valor do trabalho, o direito ao enriquecimento, o dever da protecção dos mais frágeis e a firme determinação de construir um hoje melhor para todos. Até amanhã, camaradas!

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia

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