Em Odemira, a atividade agrícola enfrenta um cenário de enorme adversidade. A realidade é que, se nada mudar nas regras de distribuição, já em 2023, os agricultores terão acesso, face a 2022, a apenas 50% do recurso vital à produção: a água, com consequências económicas e sociais imediatas para o território e para o país. Se as alterações climáticas explicam a diminuição da disponibilidade de água (transversal aos mais diversos territórios a nível nacional, com maior ou menor expressão), também devem ser um mobilizador para melhorias estruturais nas infraestruturas e na gestão para que a terra que dá alimentos, possa continuar a fazê-lo.
Sem água não há alimentos e se na última década o sul do país observou uma redução de precipitação de um terço face à média das décadas anteriores, o Aproveitamento Hidroagrícola do Mira (AHM) continua a ter perdas anuais superiores a 35%, ou seja, a cada três anos perde-se a água correspondente a um. É tempo de olhar, é urgente investir nas infraestruturas e na gestão, uma gestão mais responsável, mais eficiente, mais estruturante e capaz de responder à necessidade de hoje, de amanhã e do futuro.
O potencial agrícola do AHM é imenso, para que se tenha noção, em 2022, o AHM gerou mais de 300 milhões de euros do volume de negócios nacionais do sector agrícola e agroalimentar e empregou cerca de nove mil pessoas. A região tem condições climáticas únicas para a produção de hortofrutícolas, é a única região da Europa onde é possível produzir doze meses por ano produtos de elevada qualidade reconhecidos pelos consumidores pelos seu sabor e valor nutritivo.
Na vertente humana olhemos para os dados demográficos, de acordo com o Census 2021, Odemira cresceu 13,3% em população invertendo um ciclo de décadas, representando o maior crescimento a nível nacional – facilmente se percebe que a atividade agrícola, que representa mais de 60% da atividade económica local, é um motor da economia e do desenvolvimento da região. Estes dados impressionam, Portugal tem em Odemira uma região de elevado valor acrescentado, mas devemos urgentemente compreender que a atividade da região e o seu potencial estão seriamente em risco.
O problema tem duas dimensões: uma imediata e outra de médio prazo. No imediato importa garantir que os agricultores que produzem tenham acesso às mesmas quantidades de água que tiveram em 2022, níveis mínimos de manutenção da atividade. Isso passa por alterar as regras de distribuição, pela utilização responsável das reservas estratégicas da albufeira de Santa Clara e pelo incremento substancial do preço da água nos escalões superiores de consumo de forma criar sérios incentivos à eficiência e como forma de gerar recursos para a modernização das infraestruturas.
A médio prazo é imperativo a modernização das atuais infraestruturas para que seja possível recuperar para a produção 35% da água que atualmente se perde. Mas é igualmente imperativo investir em novas fontes de água como por exemplo os nossos vizinhos de Espanha e Marrocos estão a fazer, nós como eles podemos tirar partido da nossa vasta costa atlântica investindo em estações de dessalinização nas regiões onde as alterações climáticas mais se fazem sentir. Bem sei que será necessário mobilizar recursos financeiros para o fazer, não terão de ser necessariamente recursos públicos a fazê-lo, o sector privado à semelhança de outros países poderá ser um parceiro importante para o fazer. Certamente o maior custo será nada fazer.
Ninguém deseja uma crise económica e social. Há, por isso, que tudo fazer para, identificados os problemas, mobilizar esforços para garantir que através das medidas certas garantir condições já para esta campanha agrícola, assegurando que não se perde investimento, que se garante capacidade produtiva e que se assegura emprego. Estes esforços convocam todos. Sector público, que deve ter uma resposta coordenada, consistente e firme, mobilizando o governo central, as estruturas descentralizadas do Estado no território e as autarquias locais – com diálogo, abertura e atitude colaborativa – mas também o sector privado, que realizou investimentos, que é empregador e que tem expectativas legítimas que merecem ser atendidas.
O sector agroalimentar foi ao longo da última década um dos pilares mais sólidos na resposta às várias crises que atravessámos (económica, saúde pública). O potencial do sector é enorme, sejamos nós capazes de resolver os nossos problemas estruturais.
* Luís Pinheiro é presidente da empresa Lusomorango
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt