O Governo tem vindo, utilizando como seu interlocutor o Secretário de Estado das Infraestruturas, Eng.º Frederico Francisco, a fazer, pelo país fora, a apresentação do Plano Ferroviário Nacional (PFN), cuja meta temporal de construção é 2050.
No dia 20 de janeiro, esteve em Mogadouro, onde se realizou o Conselho Regional do Norte, a fazer essa mesma apresentação, dando praticamente como garantido que a versão final do PFN será a que apresentou aos Conselheiros da Região Norte, mesmo que, ainda, se encontre em consulta pública, até ao próximo dia 28 de fevereiro.
A Associação Vale d’Ouro, num trabalho muito meritório e gratuito, com elevado sentido de cidadania, fez um estudo aturado, dando conta que, no Norte, há uma outra alternativa para ligar a Alta Velocidade a Espanha, cujo traçado passa por Trás-os-Montes, mas ao qual o Senhor Secretário de Estado não tem dado importância, vá lá saber-se porquê.
Poderia perguntar se será porque é importante mostrar serviço e quanto mais rápido melhor? Poderia perguntar, também, se será a visão centralista do Governo, que sempre tolhe a visão fingindo não existir mais território para além daquele que se avista do Terreiro do Paço? Ou ainda, porque não interessa desenvolver o território nacional como um todo? Ou porque Trás-os-Montes só serve para dados estatísticos, no sentido de se encontrar argumentos para captação de fundos comunitários? Ou, para terminar e não me perder em mais perguntas, porque ninguém se importa?
Acredito que nenhuma destas questões seja a razão das minhas dúvidas! Mas que as tenho, tenho.
O Plano Ferroviário Nacional, que se encontra em discussão pública, aponta para a escolha do corredor Aveiro-Viseu-Salamanca como sendo o eixo de Alta Velocidade a Norte do país.
Perguntar-se-ão: e qual é o problema? O problema é que o Governo apresenta esta solução sem ter estudado outra que, eventualmente, seja mais favorável ao país.
A verdade é que a Associação Vale d’Ouro fez o estudo e apresentou uma nova proposta com uma solução viável, Porto-Zamora-Madrid, via Trás-os-Montes, desfazendo a preconceituosa ideia da impossibilidade de construção de uma linha de Alta velocidade em Trás-os-Montes, baseada na orografia do terreno.
Em defesa da construção deste corredor, apresento a seguinte argumentação:
1ª - Em termos de tempos de viagem entre Porto e Madrid constata-se que, de ambas as soluções, a proposta Porto-Zamora-Madrid, via Trás-os-Montes, assegura maior rapidez do que a solução apresentada no PFN, oferecendo um tempo de viagem de 2h45 contra as 4h30 pela solução alternativa. Acresce que esta última solução obriga a percorrer mais 30 km, num trajeto que inclui velocidades manifestamente inferiores, nomeadamente entre Vilar Formoso e a linha de AV em Medina del Campo.
2ª - Uma vez construída a linha Lisboa-Porto, a proposta Porto-Zamora-Madrid permite ligar diretamente ao TGV os dois maiores aeroportos do país e os seus maiores portos, o que representa um enorme avanço em termos de mobilidade de passageiros e de mercadorias.
3ª - A proposta Porto-Zamora-Madrid é aquela que mais beneficia o país porque é aquela em que mais quilómetros são percorridos em território nacional e aquela que menos dependente da construção de novas linhas em Espanha (40 km contra 200 km por Vilar Formoso e 400 km por Elvas), e é também aquela que mais aproxima Portugal do atravessamento dos Pirenéus, por Irún/Hendaye. Note-se que o atravessamento dos Pirenéus via Portbou/Cerbère distancia demasiado o País da Europa central e, por isso, retira competitividade à ferrovia como modo de transportar as nossas exportações.
4ª - Este percurso desencravaria Trás-os-Montes do isolamento e do despovoamento galopante a que tem vindo a ser condenado, porque seria um eixo interurbano de escala ibérica. Este novo fluxo permitiria, por exemplo, incrementar a eficácia e eficiência do Ensino e da Saúde nos territórios por onde passaria.
5ª - Na linha da Beira Alta estão a ser investidos 500 milhões de euros e, caso se construa uma nova linha de Alta Velocidade no eixo Aveiro-Viseu-Salamanca, irá sobrepor-se a uma existente que está, portanto, a ser modernizada. Neste caso, no final, haveria uma via única (linha da Beira Alta) e uma via dupla (nova linha) a desembocar numa linha única com velocidades até 155 km/h, ou seja, três linhas numa só, uma vez que Espanha, para além da eletrificação em curso, não prevê fazer mais nenhum investimento entre Vilar Formoso e Medina del Campo (200 km que custam no mínimo 1.500 milhões de euros), já que retirou essa ligação da rede transeuropeia. Importa reter também que a linha Aveiro-Viseu-Mangualde foi reprovada duas vezes pela União Europeia, pelo que, estando em curso uma obra financiada na linha da Beira Alta que serve passageiros e mercadorias, como será possível, dado o histórico de propostas inviabilizadas, garantir novo financiamento para outra linha no mesmo canal?
6ª – No território de Trás-os-Montes não existe ferrovia, desde há largos anos, e a região está totalmente dependente e refém do transporte rodoviário, quando o futuro é a ferrovia, como é do conhecimento público. E os 40 km em falta em Espanha representam um investimento de apenas cerca de 300 milhões de euros.
7ª – É, também, um forma de reforço da coesão territorial criar condições para o desenvolvimento económico e social e garantia de sustentabilidade deste território cada vez mais despovoado e envelhecido.
A solução que defendo afigura-se como essencial para que a Região Norte e Trás-os-Montes em particular, cuja centralidade ibérica lhe é amplamente reconhecida (também pelo Senhor Primeiro-Ministro, quando se desloca a estas terras, afirmando que é um território de oportunidade por ser fronteiriço e ser o mais próximo do centro da Europa e de uma estação de Alta Velocidade) não fique a “ver passar o comboio” do desenvolvimento e continue a ser tratada como “final de linha”. O PFN prevê que a ferrovia, não em linha de Alta Velocidade, chegue e termine em Bragança - esquecendo que isso já aconteceu em 1906 e em pouco mais de 80 anos deixou de existir (não se pode cometer o mesmo erro!) - desperdiçando a grande oportunidade de equilíbrio do país e dar um passo em frente na tão propalada coesão territorial.
Verificando-se a inexistência de estudos aprofundados relativamente à proposta apresentada no PFN, que comparem com rigor os dois corredores (Aveiro-Viseu-Salamanca e Porto-Zamora-Madrid), sem os quais é impossível fazer uma comparação técnica efetiva das opções, decidir pelo corredor Aveiro-Viseu-Salamanca só porque consta daquele Plano é decidir um investimento de, no mínimo, 4.000 milhões de euros sem nenhuma racionalidade económica e um erro grosseiro do Governo, irremediavelmente impossível de ser corrigido, hipotecando o futuro da Região Norte e do País.
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