Opinião

Calendário de Advento

16 dezembro 2022 0:04

A cultura precisa de alianças para reforçar a sua capacidade de contentor da experiência humana

16 dezembro 2022 0:04

Por vezes dou comigo a pensar em como reagirá cada um a esta vizinhança dos símbolos do Natal; com que envolvimento ou indiferença, com que alegre alvoroço ou distanciamento vemos chegar este arsenal simbólico; que sentimentos confessáveis ou indizíveis se declaram em nós e que importância efetiva lhes damos. Os símbolos (se são símbolos) não funcionam apenas à flor da pele, mesmo quando parecem capturados por emoções rápidas, manipuláveis ou minguadas. Os símbolos vêm de mais longe, são recônditos os seus processos, viajam por lugares internos a muitas braças de profundidade, resultam de uma lenta sedimentação de experiência e de sentido. É sempre uma ilusão (e certamente um empobrecimento) confundi-los com elementos ornamentais que disfarçam o seu (e o nosso) vazio com o tilintar artificial do efémero. Como é um erro delimitar o seu âmbito de validade à superfície e nada mais. Nesta quadra, por exemplo, os espaços domésticos e públicos enchem-se de representações natalícias que esteticamente podem ser menos ou mais conseguidas, as ruas iluminam-se com fitas em ziguezagues luminosos, colam-se ao céu da noite estrelas com geometrias incandescentes e próximas, trocam-se votos, formulam-se desejos bem intencionados, procuram-se presentes. A que serve este ritual? De onde provém? Porquê continuá-lo? Seria um desperdício explicá-lo como mero automatismo, que assim como chegou se eclipsará depressa, devolvendo-nos iguais à normalidade dos dias, como se nada tivesse acontecido. Os símbolos não se avizinham em vão, pelo menos, enquanto mantiverem a condição de símbolos. Fazem conversa dentro de nós, iluminam à sua maneira conexões silenciosas, rasgam acessos no oceano gelado que trazemos, insinuam possibilidades de metamorfose e de resgate. O encantamento que suscitam não tem por fim imobilizar expectativas, mas ativar processos, trajetórias, perguntas.

Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.