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O PCP, a saída de Jerónimo e o que esperar de Paulo Raimundo (em 4 notas)

O PCP, a saída de Jerónimo e o que esperar de Paulo Raimundo (em 4 notas)

David Dinis

Director-adjunto

O legado de Jerónimo é surpreendente. A mudança vem no tempo certo. Mas nada mudará no posicionamento ideológico do PCP, porque quem entrou neste partido em 1991 não é seguramente um reformador. Raimundo vai agora para a luta - e teria um terreno fértil para começar, não fosse um pequeno detalhe

O anúncio chegou de supetão, num sábado à noite: o PCP vai mudar de líder, pondo fim a um longo consulado de Jerónimo de Sousa, abrindo caminho a um outro, Paulo Raimundo. Em consciência, dificilmente alguém pode falar de um líder que pouco ou nada conhecemos. Aliás, o PCP é o partido mais difícil de analisar, o seu funcionamento interno é opaco, nada de vidro, e a mensagem é cautelosamente unificada, pelo que muito raramente lhe vemos divergências internas. Mas há algumas notas e pistas que podem ajudar-nos a pensar.

1. O legado de Jerónimo é surpreendente

Bem certo que o PCP teve, no último ciclo eleitoral, alguns dos piores resultados na Europa. Mas é um facto que este é dos raros casos de partidos comunistas que resistem na Europa com a força e influência que o PCP (ainda) tem. Nestes longos 18 anos, Jerónimo não conseguiu impedir o envelhecimento do partido, o esvaziamento da CGTP, as perdas eleitorais em várias eleições - mas conseguiu travá-las mais do que o ar do tempo alguma vez conseguiria antever. Em larga medida, conseguiu fazê-lo pelo que é: um homem simples, lutador, honesto e empático. Essa é também a medida do desafio do seu sucessor.

2. A mudança vem no tempo certo (só que…)

O PCP terá discutido a sucessão de Jerónimo durante muito tempo, mas ela tornou-se inevitável depois das eleições. Menos por causa dos resultados (o PCP já teve muitos altos e baixos e pensa em prazos longos). Foi, mais, pela idade do seu líder - e talvez também pelo destino da geringonça. Ela foi, bem ou mal, a última herança desta liderança e o partido, após a maioria absoluta do PS, teria inevitavelmente de regressar às origens. Se a mudança de secretário-geral era inevitável, é uma evidência que o mais pragmático seria mudar no início da legislatura e não a meio dela, quando vier o próximo congresso: quem vier precisará de tempo, mais ainda sendo um líder jovem e largamente desconhecido do eleitorado (embora não das bases do PCP, mas já lá iremos).

O que talvez não tenha sido tão certeiro é o método: o Comité Central decidiu propor o novo líder uma semana antes da Conferência Nacional. Não é que o método seja novo, mas a auscultação ficou feita antes mesmo de se ouvir as bases.

3. Pouco ou nada mudará no posicionamento do PCP

A nota do próprio partido a apresentar o novo líder é bastante elucidativa: Paulo Raimundo é escolhido por ser de uma nova geração: tem apenas 46 anos, está pronto para começar do zero. Assim como pela sua evidente ligação às bases do partido: ele começou na JCP, onde chegou a estar na Supervisão (ou seja, pelo controlo ideológico), é funcionário há duas décadas. Também conhece bem as bases e as estruturas: começou em Setúbal, passou por Lisboa, seguiu caminho pelo Porto e esteve no centro da organização de Braga - uma das mais fortes no partido. Mas quem espere um PCP diferente, espere sentado: como sublinhou Pedro Tadeu na CNN-Portugal (ele que é do partido), Paulo Raimundo entrou pela mão de Jerónimo e subiu passo a passo até ao secretariado. Não terá sido por discordâncias, isso é certo.

Mas mais importante é olhar para o momento de entrada no partido: 1991, ano em que a URSS caiu, provavelmente o tempo de maior crise dentro do PCP, com muitas dissidências de nomes importantes. Quem entra naquele tempo, não é seguramente um reformador. E, já se sabe, quem sobe assim no PCP também não. Olhando para a única entrevista que se encontra na internet a Paulo Raimundo, ao Jornal Económico nos meses finais da geringonça, conseguimos ler não só o ideário de sempre, como um notório anseio pelo fim do projecto que juntou o PCP ao PS. Dizia assim: “O país está perante o desafio, necessidade e urgência de levar por diante a rutura com a política de direita, a concretização da política alternativa patriótica e de esquerda e de um governo que a concretize, elementos fundamentais para assegurar o presente e o futuro do país”. Meses depois, o governo cairia.

4. Paulo Raimundo vai para as ruas

Não sendo deputado do PCP, Paulo Raimundo terá de deixar para outros o combate no Parlamento. Terá lá camaradas que conhece bem: Alma Rivera esteve na JCP quando tinha a supervisão da Juventude, Duarte Alves (que pode suceder a Jerónimo na AR) também. Mas esse não será um grande problema: com a maioria socialista, o grande desafio dos comunistas estará no terreno: na luta sindical, que agora vai subir de tom; no correr do país, à medida do que Jerónimo sempre fez, dia a dia, ano a ano. O PCP tem um desafio tremendo pela frente, e teria uma crise a ajudar. Não fosse ela espoletada pela Rússia, de que o partido não se consegue desligar (pela oposição aos EUA) dir-se-ia que era o começo ideal.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ddinis@expresso.impresa.pt

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