Opinião

COP da implementação?

COP da implementação?

Inês Estrela Amorim

Associada sénior do World Business Council for Sustainable Development

Estou exausta da inação. Se alguém tivesse informado os governos mundiais das consequências catastróficas da pandemia de covid 19, não teriam agido mais cedo? Porquê a falta de urgência em relação à crise climática?

A minha eco-ansiedade está em níveis sem precedentes. A três dias da COP27, a mais importante cimeira anual dedicada às alterações climáticas, atropelam-se os relatórios descrevendo uma janela de oportunidade quase a fechar-se, um novo recorde de aumento do nível de emissões de gases com efeito de estufa em 2021 (em termos absolutos), ou então um número abismal – 33 milhões – de deslocados pelas cheias no Paquistão. Que outro sentimento seria de esperar?

A União Europeia encontra-se num ponto decisivo entre compensar, com fontes de energia renováveis, a queda nas importações de combustíveis fósseis russos, ou substituir a sua proveniência. Apesar de continuar a assumir um papel de liderança no palco mundial da ação climática (e menos não seria de esperar de uma região com tamanho nível de recursos e responsabilidade histórica no problema), a UE continua a não fazer corresponder as suas ações aos seus compromissos, nomeadamente no plano do financiamento para os países de rendimento médio e baixo, absolutamente crucial para inverter a direção das emissões.

Nunca é demais recordar que o colapso climático irreversível não conhece fronteiras. Estou exausta da inação. Se alguém tivesse informado os governos mundiais das consequências catastróficas da pandemia COVID-19, não teriam agido mais cedo?

A narrativa de que as consequências das alterações climáticas aparecem longínquas, no espaço e no tempo, não poderia estar mais longe da verdade (ou não teria sido declarada uma emergência em tantos países).

Em Portugal, durante o período de 7 a 18 de julho, houve quatro falecimentos por hora associados ao calor extremo. A pandemia mostrou-nos o quão rapidamente as nossas sociedades podem colapsar face a disrupções à escala planetária.

E disrupções não irão faltar. Citando o ministro do ambiente gabonês numa intervenção recente, será que nada irá mudar até que o número de mortes no ocidente comece verdadeiramente a aumentar?

Acabou o tempo das declarações de boas intenções e de definir metas bonitas para websites elegantes. Acabou o tempo de nos contentarmos por trocar lâmpadas por LEDs.

A nível local, apenas 3 dos 308 municípios portugueses têm planos concretos para alcançar a neutralidade carbónica até 2050. É este um sinal adequado para a transformação que tanto ambicionamos?

Mas a década da ação exige igual ambição para as empresas – exige o fim das medidas incrementais, ou pior, simbólicas. É urgente a eletrificação com base em energias renováveis, assim como o aumento da eficiência energética, independentemente do setor e da dimensão da empresa. É urgente profissionalizar a transição, priorizando ações tendo em conta não só o custo, mas também o impacto. Porque não implementar já um preço de carbono interno, potencialmente aplicável a qualquer setor?

Estes são apenas exemplos entre as dezenas de atos disponíveis para as empresas que não querem esperar por um agravamento do caos climático, nem fugir às suas responsabilidades. Segundo um estudo da McKinsey de 2020, Portugal precisa de aumentar a velocidade de descarbonização em cerca de 20% só para fazer face às metas europeias.

Será uma tragédia ver o objetivo de limitar o aumento da temperatura em 1,5ºC deslizar-nos das mãos. Mas sejamos claros, cada fração de aumento da temperatura resulta em perda: disrupções fortíssimas de cadeias de valor, ativos em risco, mas sobretudo perdas inestimáveis de ecossistemas e de vidas humanas. Se essa consciência não basta para cessar as promessas ocas e para nos pôr audazmente a implementar, não sei o que bastará.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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