Isto de acharmos que a água que usamos cai do céu, começa a ter os dias contados. Na verdade desde há muito, à medida que as nossas casas foram sendo ligadas às redes de abastecimento público, e os nossos campos integrados em perímetros de rega. Mas o caminho que vai da chuva que se precipita até às nossas torneiras é complexo e tortuoso…
A criação e generalização dos sistemas de abastecimento urbano de água representou um grande salto na qualidade de vida da generalidade da população, num esforço ainda não terminado – atualmente estas redes alcançam cerca de 96% dos Portugueses. No entanto, ao ficarmos independentes da água disponível no ribeiro, na cisterna ou no poço, fomos ficando mais dependentes da torneira como origem única; e sem plano B.
À medida que os sistemas se foram alargando e os usos da água se foram multiplicando (no Algarve por exemplo, estima-se que o consumo de água se tenha multiplicado por 10 em 50 anos), foi-se reduzindo a elasticidade dos sistemas, já que a precipitação não aumentou – o que aumentou foi a nossa capacidade de a captarmos, sobretudo através de barragens e furos artesianos. Aliás para nosso azar, até essa precipitação tem registado uma tendência de diminuição no território nacional, à semelhança e imagem da região mediterrânica em que se insere.
Ora numa simples equação de oferta e procura, apesar do notável aumento da “oferta de água” que conseguimos alcançar por via dessa infraestruturação massiva do território, esta não é independente da chuva que cai, e tem portanto os seus limites. Já a “procura de água”, não tem cessado de aumentar na maior parte das regiões, causando que muitos sistemas sofram atualmente de “escassez” – que não é mais que um défice crónico entre oferta e procura. É já o caso de vários sistemas de abastecimento nas bacias do Sado, do Mira ou do Barlavento Algarvio, que só em anos médios e chuvosos conseguem garantir todos os usos.
Só que os anos secos fazem parte do clima, e têm por isso de fazer parte do planeamento e gestão da água. Em particular num contexto climático que tende a agravar aquela escassez de água, seja por via duma precipitação e escoamento superficial mais reduzidos, ou do aumento da evaporação (e evapotranspiração das plantas) resultante do aquecimento global. Mas sobretudo por via da expansão descontrolada dos usos da água.
Não nos espantemos por isso se as chuvas que se avizinham este Inverno possam ser de pouca dura – e pior, de pouco garante para as nossas torneiras. Está na hora de reduzir a nossa dependência dos humores do clima (a sua variabilidade intrínseca), e garantir mais segurança aos usos de água prioritários, em particular nos sistemas com escassez, que são cada vez mais. Mesmo que isso implique não abrir aí novas torneiras.
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