Opinião

Diferentes. Nem Portugal é tão mau, nem os outros países são tão bons

Diferentes. Nem Portugal é tão mau, nem os outros países são tão bons

Nuno Marques

Vice-presidente do município de Notodden (Noruega)

Portugal tem muitos problemas, muitos deles estruturais e culturais. Mas qual o país que não os tem? Nuno Marques, imigrante na Noruega, onde é vice-presidente do município de Notodden, reage neste artigo de opinião à crónica de Clara Ferreira Alves publicada na revista E no dia 2 de setembro

Na edição da Revista E do dia 2 de setembro, a jornalista e cronista Clara Ferreira Alves publicou um artigo de opinião com o título “Viver Assim, Mal”.

O artigo tenta descrever e de certa forma explicar o porquê de Portugal ter chegado a um ponto em que “Portugal não é mais do que uma enxurrada de más notícias...nos últimos anos”. Aliás, tirando as últimas três frases do artigo da Clara Alves, tudo o resto não é novidade para ninguém; “ineficiência e lentidão da Justiça”, “teias de cumplicidades políticas e pessoais”, aumento da dívida pública, crise do SNS, e muito mais...

Mas o que me fez reagir a este artigo não foram estas “novidades”, mas o facto de a Clara Alves ter aconselhado os nossos jovens portugueses, e passo a citar as palavras da Clara Alves: “O conselho a dar aos jovens é só um, fujam de Portugal, como fazem os refugiados afegãos. Portugal é um país ideal para os reformados ricos e um lugar aterrador para os reformados pobres.”

Clara Alves é uma escritora e jornalista portuguesa. Pode ter viajado pelo mundo inteiro, ter escrito muitas crónicas e livros, mas não sabe o que é ser emigrante. E numa altura em que vivemos uma guerra e uma crise que afetam tudo e todos, considero este conselho não apenas de “mau gosto” e infeliz, mas principalmente uma falta de sensibilidade. E se a intenção da Clara Alves era “chocar”, então julgo que ela terá atingido esse objetivo.

Eu até deveria ser dos últimos a reagir desta forma; emigrei para a Noruega com 22 anos, era ainda um jovem! E verdade seja dita que emigrei para a Noruega com um espírito de aventura e de curiosidade em conhecer um novo país, uma nova cultura, um novo idioma ... Agora, com 41 anos, valorizado e respeitado a nível pessoal e profissional, e com um conhecimento adequado de ambas as realidades, julgo que poderei afirmar que nem Portugal é o país tão péssimo que muitos querem fazer passar, nem os outros países como a Noruega são países fantásticos, perfeitos e muito melhores que Portugal!

Tal como a Clara Alves descreveu no seu artigo de opinião, Portugal tem muitos problemas, muitos deles estruturais e culturais. Mas qual o país que não os tem? Se eu fosse enumerar tais problemas por estas terras nórdicas, não me faltavam temas para escrever um livro...

Mas uma das grandes diferenças é que nestes países não temos jornalistas como a Clara Alves a incentivarem a emigração desta forma comparando com algo que é incomparável: a situação no Afeganistão e refugiados afegãos! Daí o conselho da Clara Alves atingir o nível de “mau gosto”, infeliz e de muita falta de sensibilidade para com o povo afegão...e também com Portugal e os portugueses.

Sim, também é verdade que Portugal tem sido palco de muitos escândalos. A classe média desapareceu, a Justiça não funciona para alguns, os partidos ditos tradicionais (PS, PSD, CDU e CDS) esqueceram-se do que realmente é importante em democracia, a grande maioria das pessoas deixaram de viver para sobreviver e muitos foram “obrigados” a emigrar.

Nós, os portugueses, vamos ter sempre este espírito de aventura e de imigrante. Mas o que não podemos continuar a ter é pessoas como a Clara Alves a incentivar desta forma os nossos jovens a emigrarem. Temos sim de ter uma classe política que implemente medidas para que os nossos jovens não tenham de sair de Portugal para procurar uma vida melhor a nível pessoal e profissional. Mas a responsabilidade não é só política; esta responsabilidade é igualmente partilhada com a classe empresarial. Aqui, os empresários e empresas têm uma enorme responsabilidade em tentar recrutar os nossos jovens, oferecendo-lhes salários competitivos de acordo com as suas qualificações, com perspetivas de valorização profissional a curto e a longo prazo.

Uma das perguntas que me têm sido colocadas ultimamente tem sido: “Se Portugal não é assim tão mau, pode sempre voltar. Não é uma hipótese?” Por enquanto ainda não se proporcionou o regresso a Portugal, mas já esteve mais longe. Depois, e enquanto não regresso, vou continuar a fazer o que eu e muitos emigrantes portugueses temos feito em quase todos os cantos do mundo: falar de forma positiva e esperançosa sobre Portugal e os portugueses.

Por fim, isto de estar emigrado não é só um mar de rosas! Novamente, eu até sou dos poucos que não me poderei queixar, e emigrei por opção. Mas só eu e muitos dos emigrantes sabemos o quanto custa quando temos que nos despedir das nossas famílias em Portugal de cada vez que regressamos ao nosso outro país que nos acolheu. E custa cada vez mais a cada ano que passa...

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas