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Opinião

O MPLA tem de se preparar para ver a UNITA no poder. E Portugal também

Depois do trauma de 1992, a UNITA, que não reconheceu o resultado, sabe que dar espaço a reações repressivas a atiraria para o buraco de onde acabou de sair. Mas, encerrado o processo eleitoral, é altura de Portugal passar a ter relações com Angola que não denunciem favoritismo. Porque as coisas vão mudar

Angola não é os Estados Unidos ou sequer o Brasil, onde a contestação global de resultados eleitorais dificilmente pode ser levada a sério. O Estado e o partido do poder confundem-se – até a bandeira do país e do partido se confundem. Foi um regime de partido único e a democracia é, por enquanto, pouco mais do que uma formalidade escrita. É quase um milagre o partido que domina todo o aparelho de Estado permitir eleições com alguma liberdade. É virtualmente impossível os resultados eleitorais corresponderem, por agora, ao que realmente aconteceu nas urnas. Isto até pode ser visto com algum pragmatismo. A construção da democracia é um processo que leva tempo. E Angola está a fazer esse caminho, como tantos outros fizeram.

Angola não pode contar com árbitros eleitorais de confiança. A Comissão Nacional de Eleições é controlada pelas autoridades e elas pelo MPLA. A CNE é dirigida por Manuel da Silva "Manico", um quadro sem credibilidade ou autoridade para a função. Restou o controlo eleitoral cidadão, sobretudo de movimentos cívicos. A campanha “votou, sentou” manteve a população alerta na exigência da contagem dos votos e da publicação dos resultados. E estes movimentos garantiram, nos seus apuramentos paralelos, que a UNITA venceu as eleições. Não sei, mas talvez Paulo Portas, Carlos César e José Luís Arnaut, alguns com boas relações empresariais com Angola que lhes valeram o convite para serem observadores, nos possam descansar quanto à limpeza das eleições.

A UNITA venceu com enorme diferença (quase o dobro) em Luanda. Sim, pode dar-se o caso de a opinião pública da capital ser mais informada e politizada e, por isso, ter feito um corte maior com o passado. Mas isso torna difícil explicar a derrota da UNITA nas suas regiões de origem. É verdade que a UNITA é outra, como se percebe pela liderança de um mestiço, impensável há umas décadas. Mas sendo Luanda um território tradicionalmente favorável ao MPLA, é estranho que a enorme derrota do partido na capital não tenha algum paralelo com o resto do país. Talvez seja porque o controlo da oposição foi muitíssimo superior na capital do que que no resto do país.

A UNITA diz que os resultados não coincidem com as atas síntese que tem nas mãos e propôs a constituição de uma comissão internacional independente para a recontagem dos votos. É uma proposta sensata. Depois da experiência traumática de 1992, a UNITA, apesar de não ter reconhecido a vitória do MPLA, evitou alimentar os protestos de rua que chegaram a ser marcados nas redes sociais. Pediu calma aos seus apoiantes. Sabe que é pela via democrática que o poder do MPLA cairá de podre. E que dar espaço a reações repressivas atiraria a UNITA para o buraco de onde acabou de sair. Mesmo que isso obrigue a engolir injustiças, pelo menos do seu ponto de vista.

Apesar de em Portugal, à esquerda e à direita, muita gente olhar para Angola com olhos do passado, estas eleições mostraram como o país mudou radicalmente. E, com ele, mudou a UNITA. Já não é um partido de guerrilheiros e tribalista. Conseguiu atrair muitos jovens; foi polo de confluência de pequenos partidos que, não oferecendo muitos votos, lhe ofereceram credibilidade; e agregou o descontentamento de todos os quadrantes. A desilusão depois das promessas de mudança de João Lourenço acabou por acelerar o processo.

O tempo do poder absoluto do MPLA está a chegar ao fim. Encerrado o processo eleitoral, também é altura de a diplomacia e a sociedade portuguesas repensarem a forma como se relacionam com Angola. Substituir o que era a relação habitual como uma ditadura – em que a proximidade com o país se confunde com a proximidade com o partido do poder –, com as relações naturais em democracia: relações institucionais, culturais e económicas que não denunciem qualquer tipo de favoritismo. Porque, mais cedo do que tarde, o poder vai mesmo mudar em Angola. E seria bom que, mesmo que tardiamente, deixássemos de ser vistos como os recetores do saque. O MPLA não estava preparado para ver a UNITA chegar ao poder, mas vai ter de se preparar. Portugal também.

PS: Apesar do contexto eleitoral, da contestação de parte da família e das características do ex-Presidente, compreendo a presença de Marcelo Rebelo de Sousa nas exéquias de José Eduardo dos Santos, por razões estritamente diplomáticas. Mas não posso deixar de concordar com Sebastião Bugalho, quando recorda a ausência de qualquer chefe de Estado angolano nos funerais de Mário Soares e Jorge Sampaio. Este suposto dever diplomático nacional, sem reciprocidade, não deixa de ser um resquício do complexo colonial.

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