Opinião

Inflação a martelo

A evolução galopante dos preços nos mais diversos sectores e a fatura de pagamento que isso implica para empresas e consumidores a curto prazo, merece uma reflexão mais profunda sobre a espécie de puzzle em que assenta a economia mundial

Inflação a martelo

Pedro Amendoeira

Sócio da ERA Group

Quando a minha filha tinha quatro anos, ofereceram-lhe um puzzle simples, com cerca de 40 peças, que tinha uma particularidade interessante: faltavam algumas partes e outras não encaixavam. Resolver o puzzle era impossível. Nem com um martelo se conseguia que as peças com cortes incompatíveis ficassem juntas. Eu posso confirmar porque, em desespero final, usei um martelo. A satisfação de destruir algo tão mal feito foi elevada.

Sinto a mesma perplexidade quando comparo alguns indicadores económicos relativos a preços. Ao longo dos últimos seis ou mais meses, a evolução dos preços na indústria tem sido galopante, contudo o consumidor final não tem sentido tanto. Se para as empresas os valores superaram os 26%, para os compradores ficaram-se pelos 5% (ambos dados relativos a março de 2022). Se olharmos para o lado, em Espanha estes valores estão, respetivamente, acima dos 46% e dos 8%. Estas diferenças, quer entre os preços na indústria, quer entre Portugal e Espanha, não são pontuais, arrastam-se já há alguns meses.

Os aumentos dos combustíveis fósseis têm sido amplamente divulgados, mas muitos outros vêm também de trás: desde os transportes, aos metais, plásticos, madeira ou cartão, tudo tem sofrido aumentos consideráveis de preço. Como a generalidade das indústrias apenas tem conseguido passar parte desses aumentos para os seus clientes, as margens de lucro têm sido impactadas. No entanto, esta situação a prazo não é sustentável. As margens são necessárias para remunerar o capital investido, para financiar crescimento e inovação, para criar almofadas para tempos difíceis (e em tempos difíceis estamos todos já doutorados).

Se as peças dos preços industriais/consumidor não parecem encaixar, olhando para o lado de lá da fronteira, o puzzle fica ainda mais estranho, ao serem tão díspares as evoluções dos preços de uma economia que nos é tão próxima, e com a qual partilhamos, além de fronteira, a mesma moeda.

Ao contrário dos puzzles físicos, a economia é dinâmica, o que não encaixa hoje pode encaixar amanhã. Se o encaixe acontecer no sentido que parece mais evidente, teremos uma inflação com a qual a geração atual de gestores nunca trabalhou, nem sabe como endereçar. Nesta linha, não surpreende que num barómetro recente, conduzido pelo Fórum dos Administradores e Gestores de Empresas, a inflação surja como a maior preocupação dos associados. A inflação é não só premente a curto prazo, como pode ser uma ameaça à sobrevivência das empresas que menos consigam passar a jusante os aumentos de preços que sejam forçadas a suportar.

Os governos e bancos centrais têm ferramentas para poder forçar um encaixe mais desejável para todos. Após anos de sucessivos remendos, esperemos que sobrem soluções que difiram da que empreguei para resolver o puzzle.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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