1. O desaire eleitoral autárquico, que Fernando Medina assumiu pessoalmente e com toda a dignidade, por muitas dúvidas que o tivessem acercado nos tempos seguintes, fez dele uma outra pessoa e um outro político.
A História está cheia de personalidades que foram construindo o seu caminho com vitórias e derrotas, com a turba aos gritos em idolatração ou com os mais próximos a negarem o passado de dependências e dívidas pessoais. Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Cavaco Silva, todos foram derrotados num qualquer tempo. Conhecedor como é dessa mesma História, Medina sabe que a debacle lisboeta não fez dele um derrotado, antes um ser mais calejado, mais atento e menos crente no sucesso da obra.
2. Medina aceitou o que, por mímica, Costa lhe propôs – ser Ministro das Finanças. As últimas sondagens dizem que uma grande maioria de portugueses não viu com bons olhos tal nomeação. É irrelevante tal radiografia do pensar dos portugueses por esta altura. Os ministros, no seus sucessos ou insucessos, vão fabricando o seu caminho na forma como ocupam o seu lugar e Medina sabe bem que lugar está a ocupar. Não será irrelevante o facto de muitos terem escrito que há muito não havia um titular das contas do Estado com um perfil político. É verdade, e isso é uma vantagem para o Governo e para o país.
3. Manuela Ferreira Leite, com aquele seu ar simpático, colocou a questão de Medina não ser Ministro de Estado. Ora, quem foi membro do Governo sabe que isso é absolutamente irrelevante. O Ministro das Finanças tem, pela natureza do cargo e pela imensa legislação que ao longo dos tempos foi sendo fabricada, um poder que vai para além do posto no protocolo do Estado, afirma-se na caneta vermelha das autorizações. Ora, é aqui que Medina vai ser muito diferente da maior parte dos seus antecessores. Cada pedido dos restantes ministérios vai ser observado na perspetiva do todo da política nacional, cada decisão, positiva ou negativa, vai ser célere porque o que importa é decidir.
4. Há sinais que quem conhece as Administrações Públicas vai identificando no início de cada Executivo. Os sinais de Medina dizem bem de como ele entende hoje a política feita com proximidade. O seu ministério é político pela via dos Assuntos Fiscais, é político e técnico pela via do Tesouro e é técnico, como se impõe, pela via do Orçamento. Tudo certo. Por exemplo – nenhum Presidente de Câmara que queira comprar um terreno do Estrado deixará de ter resposta em tempo, e dificilmente continuará a ver o edificado público em degradação. Outro exemplo – a forma como Medina construiu o seu Gabinete diz-nos que o Grupo Parlamentar e a estrutura do PS serão prioridades. Lisboa foi suficiente para que não volte a ser apanhado de cernelha.
5. Durante anos os jornais e uma certa elite partidária colocou Medina na linha de partida para uma liderança socialista. Medina foi dando corda a tais considerações. É da política. Porém, o percalço em Lisboa e a maioria absoluta de Costa criaram novos cenários para o futuro. É neste enquadramento que Medina se posiciona numa espécie de entente cordiale com o pedronunismo. Medina e Pedro Nuno sabem, como Sócrates e Costa sabiam no início do século, que o PS é enorme e que há sempre lugar para os dois em campos e tempos sequentes ou complementares. Identifico um sinal muito relevante nas propostas políticas de Medina que simbolizam tal cenário. Pedro Nuno Santos tutela empresas públicas com um histórico de dívida já consolidado. Até hoje nenhum titular da pasta das Finanças resolveu esse peso e Medina vai resolvê-lo e vai libertar Santos dessa dor de cabeça.
6. O PS é o partido central do sistema político português. É sua obrigação ter soluções para a governação e, também, para o mais alto posto da Nação. António Costa já deu sinais de que Augusto Santos Silva poderá ser o candidato presidencial pós-Marcelo. Porém, Santos Silva é dono e senhor do seu tempo e na altura decidirá. O PS tem, para a próxima eleição uma outra personalidade de peso, Francisco Assis, que não só ganha ao centro como, numa segunda volta estará em condições de se fazer eleger à esquerda. Tal como Santos Silva. E depois? Depois só há Costa, que será sempre o que quiser, e Mário Centeno e, pensem bem, Fernando Medina. Em boa verdade, o Ministério das Finanças é um ponto de passagem para outras margens e Medina não voltará a ser surpreendido abrindo todo o horizonte como sempre acontecia com os filmes de Charlie Chaplin.
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