Sim, podemos olhar para este dia como um momento de celebração por todas as conquistas femininas. Mas infelizmente, estamos longe de poder encarar o Dia Internacional da Mulher como um dia de festa. O mundo continua a ser um lugar injusto para as meninas e mulheres. Pior, o mundo continua a ser um lugar perigoso para todas nós, inclusive dentro da esfera íntima e familiar, onde acontece a maioria dos homicídios de pessoas do sexo feminino. Pesam-nos os estereótipos, que são tantos e tão amplos, que isto de ser menina e mulher mais parece uma equação complexa de certos e errados, de equilíbrios impossíveis e de consequências. Pesa-nos a insegurança, a objetificação, o silenciamento, a condescendência, o controlo constante sobre os nossos corpos, as nossas ações, as nossas escolhas, a nossa dignidade, a nossa liberdade. Pesa-nos a manutenção de um status quo que define rumos à nascença. Pesam-nos estas as regras do jogo, que não escolhemos, tantas delas criminosas, mas socialmente aceites. Pesa-nos termos de ser nós a carregar nos ombros a responsabilidade por uma mudança inequivocamente urgente, e que, se pararmos para pensar, nos beneficia a todos e a todas no final.
Já muito se disse e explicou sobre o que está em causa no dia da mulher. E muito mais haverá para dizer enquanto todos estes pesos continuarem a fazer parte das nossas vidas. Mas mesmo assim há quem ano após ano questione a importância deste dia. À falta de um entendimento pela via da empatia e da razão, os números podem ser uma forma rápida de perceber exatamente sobre o que se fala quando o tema é a desigualdade de género. Mais do que uma reflexão minha sobre este dia, deixo-vos um apanhado de informação que possa servir como alavanca à reflexão dos e das demais. Eis dez números – ou, em alguns casos, a soma de vários – que explicam porque é que o dia de hoje é, acima de tudo, de luta.
A cada minuto que passa 28 meninas são forçadas a casar
1 – Todos os anos cerca de 15 milhões de meninas e raparigas são obrigadas a casar, o que dá uma média de 28 casamentos por minuto. Um contexto atroz que fomenta o isolamento, a gravidez precoce, a desistência escolar e consequentes ciclos de dependência financeira e exposição a violência na intimidade. Existem atualmente vivas no mundo mais de 700 milhões de mulheres que foram forçadas a casar quando eram ainda crianças e/ou adolescentes.
2 – Cerca de 80% das vítimas de tráfico humano são mulheres e meninas, raptadas e vendidas como mercadoria em pleno século XXI. Dados da ONU Mulheres revelam ainda que 3 em cada 4 destas vítimas são depois alvo de exploração sexual. As rotas do tráfico humano passam amiúde pela Europa e demais contextos desenvolvidos, incluindo por Portugal.
3 – Diariamente, 8 mil meninas estão em risco de sofrer mutilação genital. De acordo com a mesma instituição, existem pelo menos 200 milhões de mulheres e meninas, com idades entre 15 e 49 anos, que sofreram mutilação genital feminina em 31 países onde a prática está concentrada. Metade desses países encontram-se na África Ocidental. Ainda existem países onde a mutilação genital feminina é uma prática quase universal, por mais que se trate de um crime com consequências gravíssimas psicológicas e físicas (em alguns casos a própria morte). Países onde pelo menos 9 em cada 10 meninas e mulheres, com idades entre 15 e 49 anos, foram cortadas.
Uma mulher é morta por um parceiro íntimo ou um familiar a cada 11 minutos
4 – A violência doméstica é um problema global que afeta mais de um terço da população feminina em todo o mundo. Só em 2020, foram cerca de 47.000 as mulheres e as meninas mortas por parceiros íntimos ou familiares. Ou seja, em média, uma mulher ou menina é assassinada às mãos de alguém do seu círculo íntimo, principalmente a sua própria família, a cada 11 minutos, mostra-nos um relatório da UNODC. A própria casa, que devia ser o porto-seguro de qualquer pessoa, continua a ser o sítio mais perigoso para as meninas e mulheres.
5 – De acordo com a UNICEF, existem atualmente 15 milhões de meninas adolescentes em todo o mundo, com idades entre 15 e 19 anos, que foram vítimas de violência sexual por um atual ou ex-marido, parceiro ou namorado. Com base em dados analisados de 30 países, apenas 1% procurou ajuda profissional. Já a OMS revela que quando olhamos para a realidade das adolescentes entre os 15 e os 19 anos que já estiveram num relacionamento amoroso, uma em cada quatro admite ter sido vítima de atos de violência – física e/ou sexual – por parte do parceiro. Por cá, só no ano passado a PSP e GNR registaram 3320 denúncias de crimes de violência no namoro. A vítimas eram maioritariamente mulheres e tinham menos de 24 anos.
6 – Uma em cada 10 mulheres na União Europeia relata ter sofrido assédio no universo online desde os 15 anos, diz-nos a Fundamental Rights Agency. Isso inclui terem recebido e-mails, mensagens de chat ou SMS sexualmente explícitos indesejados e/ou ofensivos, ou avanços ofensivos e/ou inadequados em redes sociais. Um risco que é maior entre mulheres jovens de 18 a 29 anos.
7 – Dados da Inter-Parliamentary Union mostram que 82% das mulheres parlamentares relatam já ter sofrido alguma forma de violência psicológica enquanto cumpriam seus mandatos. Como? Através de comentários, gestos e imagens de natureza sexual sexista ou humilhante, ameaças e assédio moral. As mulheres – que representam atualmente apenas 25% dos lugares parlamentares mundo fora – citaram as redes sociais como o principal canal deste tipo de violência, e quase metade (44%) relatou ter recebido ameaças de morte, violação, agressão ou sequestro contra as próprias, mas também contra as suas famílias. Mais de 65% foram alvo de comentários sexistas, principalmente por colegas do sexo masculino dentro do próprio Parlamento.
Só daqui a 136 anos atingiremos igualdade de género no mundo, ou seja, ninguém vivo ao dia de hoje estará cá para ver
8 – Atualmente, a disparidade salarial entre homens e mulheres para trabalho igual ou de valor igual continua a ser de 14,1% na UE, por mais que a remuneração justa e a igualdade de oportunidades tenham sido consagradas nos princípios fundadores da União Europeia. Por cá, o fosso salarial entre homens e mulheres é de 16,7% (990,05€ e 824,99€, respetivamente), o que corresponde a uma perda de 52 dias de trabalho remunerado para as mulheres, por ano. Além do óbvio – o facto de as mulheres ganharem menos ao fazerem o mesmo ou até mais trabalho que os seus pares masculinos – soma-se o impacto direto a curto, médio e longo prazo originado pelos salários mais baixos: acabarão por ter pensões igualmente mais baixas, veem mais facilmente comprometida a sua capacidade de se sustentarem e de terem um nível decente de qualidade de vida.
9 – Olhemos também para o último Relatório Anual de Igualdade de Género da Comissão Europeia, segundo o qual, em período de confinamento, as mulheres, em média, gastaram 62 horas por semana a tomar conta das crianças e 23 horas semanais com tarefas domésticas. No caso dos homens, os tempos gastos nestas funções são 36 horas e 15 horas, respetivamente. A somar a isto, quase um terço das mulheres abdicou de trabalho pago por causa da carga doméstica durante a pandemia, revelou o Eurobarómetro. A ONU estimou em setembro do ano passado que as consequências da pandemia poderiam levar mais 47 milhões de mulheres à pobreza, e todos os indicadores vão mostrando que não estava enganada.
10 – O mais recente relatório do Fórum Económico Mundial estima que levará quase 136 anos para que seja atingida a paridade de género entre homens e mulheres no mundo (esta medição anual do FEM é feita com base em quatro fatores: participação económica e oportunidades, educação, saúde e capacitação política). Um aumento brutal de tempo que também espelha bem as consequências da pandemia nas vidas das mulheres, já que a estimativa feita na pesquisa anterior era de menos de 100 anos. Bastaram-nos, portanto, 12 meses para regredir 36 anos em termos de expectativas para um mundo mais igualitário e justo entre homens e mulheres.
Continuam a achar que já não faz sentido assinalar o Dia Internacional da Mulher?