Não vale tudo para se chegar ao poder? Perguntem ao líder do PS. Primeiro contra Seguro, quando uma vitória era poucochinha; depois, ao perder as eleições com Passos, saltando o muro e anichando-se nos regaços do BE e do PCP; depois, ao ganhar as eleições em 2019, deixando os regaços e tentando impor o seu jogo; agora, que há eleições, porque a última jogada não comoveu a sua esquerda, apelando ao voto e à maioria absoluta como única forma de travar uma direita terrível, que só ele e uns incondicionais veem.
Dessa direita faz parte Rui Rio, talvez o líder menos à direita que o PSD alguma vez teve. Mota Pinto ou Freitas do Amaral, que se coligaram com o PS de Soares, eram bem mais direitistas; mesmo Marcelo Rebelo de Sousa, que por diversas vezes deu a mão a Guterres, não será mais à esquerda. Mas – Costa dixit – não é bem de Rio que se deve ter medo; mas sim dos aliados. Quais? A Iniciativa Liberal? O CDS? Não, também não é bem desses; é de André Ventura e do Chega. Porque Rio não soube demarcar-se bem do totalitarismo e propostas violentas da extrema-direita.
Quem assim nos fala, propõe-se governar com o apoio de um partido proibicionista (já muito bem descrito no Expresso por Miguel Sousa Tavares, e ontem mesmo por esse perigoso reaça que é Manuel Alegre) e governou quatro anos abengalado por um partido (pelo menos) que deseja a extinção da NATO, ou seja a defesa da Europa; dois que apoiam regimes desumanos como a Venezuela e Cuba e um que também defende a ação dos russos onde for preciso, até no apoio aos ditadores da Bielorrússia e da Síria ou nas intimidações à Ucrânia (PCP).
A direita terrível que o PS nos pede para rejeitarmos tem propostas como a pena de morte. Quer dizer, não tem, mas podia ter; ou a prisão perpétua (na verdade só o Chega tem essa proposta, os outros partidos são frontalmente contra); quer a castração química (idem, idem, aspas, aspas) e, como o primeiro-ministro, recusando qualquer laivo de demagogia, afirmou: quando a prisão perpétua não é bem prisão perpétua (numa indireta a uma tirada infeliz de Rio, no seu primeiro debate), a pena de morte pode não ser bem pena de morte e a igualdade homem/mulher não ser bem igualdade. É verdade! Rui Rio, Cotrim de Figueiredo e Francisco Rodrigues dos Santos podem bater com a cabeça numa coisa qualquer, e passar a defender o que condenam.
Revertendo os argumentos: quando a extinção da NATO leva à preponderância militar de russos e chineses; quando os modelos de Cuba e da Venezuela são elogiados; quando o Euro é uma moeda da qual nos devemos retirar, quando a caça deve ser proibida e o veganismo recomendado, rapidamente se cai para a ideia de destruir a nossa sociedade liberal democrática.
Assim, pela lógica de Costa, temos frente a frente um bloco protofascista, de que Rio é o comandante; e um bloco pró-comunista, de que ele próprio é o chefe.
Ficamos elucidados.
Bem sei – tenho mais de 40 anos disto – que as eleições são propícias a exageros. Mas vivemos tempos difíceis, tempos de incerteza a mais, combinados com o exagero e excesso de convicções. Nada disto teria importância se o primeiro-ministro, o nosso primeiro-ministro, o líder de um partido fundador da democracia e alicerce do nosso estado social, não pretendesse confundir o que existe e o que não existe, com o mero fito de obter votos.
Há coisas que não se fazem e penso que António Costa sabe bem quais são. Que o debate seja em torno dos impostos e escalões do IRS e IRC, da TAP, das pensões e reformas, do modelo de desenvolvimento económico, das alterações do ambiente, das liberdades pessoais (vulgo temas fraturantes) é um bem. Que se tente dividir o país entre vulgares arruaceiros (a direita) e praticamente santos, a esquerda que Costa admite no clube, é triste. Costa chama pelo lobo quando ele nem vem a caminho … o que faria se ele viesse mesmo por aí?
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