Opinião

Quem quer cancelar Jesus e o Natal?

Jesus seria, aos olhos de hoje, um utente demasiado dispendioso para o orçamento do Serviço Nacional de Saúde. Melhor, talvez, considerá-lo um mau exemplo e bani-lo do espaço público

Começo a medo: ainda podemos dizer que estamos no Advento e fazer citações bíblicas? Ou, por esta altura, as únicas referências à Sagrada Família são só aquelas em que Maria é substituída por um Manuel, ou José por uma Joaquina, e x bebé, sem género atribuído à nascença, tem uma pigmentação da pele diferente dos progenitores?

Não me interpretem mal: nada contra casais com pessoas do mesmo sexo, nem contra a adoção de crianças por esses mesmos casais, nada contra casais interraciais, e absolutamente maravilhado com a beleza dos seus filhos. Mas, recordo, estamos no Advento, e a Sagrada Família não carece de modernização nem de causas identitárias. Está bem assim, na perfeição da sua singeleza e santidade.

Vossas excelências até podem ir para Stonehenge celebrar o solstício de inverno, acender uma fogueira e dançar nus à sua volta. Podem substituir o menino Jesus pelo Pai Natal e, de caminho, matar o São Nicolau. Mas insisto, se hoje, como sociedade, fazemos uma pausa e uma celebração coletiva é porque estamos no Advento e nos preparamos para celebrar o Natal. E o Advento é um tempo cristão, um tempo de espera pelo nascimento de Cristo menino, o Salvador, aquele que representa a luz sobre as trevas, a libertação dos oprimidos, a redenção dos pecadores, a esperança na salvação. Lerolero? Por quem sois? Sois livres de celebrar o "período de festividades" como quiserdes, de gozar o "período de férias" como bem vos aprouver, até porque “nem toda a gente é cristã e nem toda a gente celebra as férias cristãs”.

Pausa. Tudo bem, mas há uma coisa em que terão firme oposição: quando quiserem partir as cruzes (de Cristo) no topo, para as transformar em Ts (do Ford), como Huxley profetizou no Admirável Mundo Novo, cá estaremos para vos fazer frente. Divago, qual Quixote contra os moinhos de vento andaluzes? Pensem duas vezes: as expressões entre aspas do parágrafo anterior são de Helena Dalli, a sombria Comissária Europeia para a Igualdade. Esta funcionária preparou um documento para abolir a palavra "Natal". Em nome de quê? Da inclusão e da diversidade, claro. Esta cantilena, que já ultrapassou todos os limites do bom senso, começa agora a revelar traços de burrice. Nisto, peço desculpa aos animais, não queria ofender, e não quero sarilhos com os animalistas, mas como diz o povo: à falta de um grito, morre um burro no atoleiro. E como eu não quero cá mortes, não dispenso o grito.

Mas, repito: estamos no Natal, e temos que ser uns para os outros. Dou uma ajuda. Querem prender Jesus e cancelar o Natal? Sejam inteligentes e façam-no, ao menos, usando o fascismo do tempo: o sanitário. Não vos faltarão faltas graves. E não vos faltarão diligentes verdugos: "o que é desconcertante no sucesso do totalitarismo é o verdadeiro altruísmo dos seus adeptos", Hannah Arendt dixit.

Jesus, nas Bodas de Canaã, transformou a água em vinho. Duvido que isso não seja delito grave, por causa das cirroses. Noutra ocasião, multiplicou os pães e deu-os a comer, contribuindo para o aumento do colesterol e dos triglicéridos na população da Galileia. Em três anos curou doentes vários, sem verificação das normas da DGS local, e sem respeito pelas especialidades médicas. Trabalhou e fez trabalhar ao sábado, violando os direitos laborais e contribuindo para o burnout dos apóstolos. Preferia peixe a brócolos e cordeiro a cenouras, para melindre dos veganos; e nem sequer consta que tenha seguido a dieta de São João Baptista, o que funcionaria como atenuante para Si e gáudio para a OMS. Já o sol a que se expunha nas longas caminhadas que fazia eram um perigo para a pele e um risco acrescido de carcinoma. Em síntese, Jesus seria, aos olhos de hoje, um utente demasiado dispendioso para o orçamento do SNS. Melhor, talvez, considerá-lo um mau exemplo e bani-lo do espaço público.

Exagero? Talvez não. Há todo um caminho de cancelamentos em marcha, em nome da saúde de todos, do bem-estar coletivo. Da obnóxia Jacinda Ardern, que esta semana proibiu o fumo a todos os nascidos após 2008, ao inefável Ascenso Simões, que, na semana passada, defendia que os não vacinados que lidem com o público devem ficar presos em casa e, caso sejam internados, devem suportar os custos do internamento, há por aí uma tropa pronta para moralizar a sociedade e conter os custos. No fundo, isto é como as massagens nas praias do Algarve, sabemos todos como começam, mas não sabemos como acabam. Ou melhor, sabemos: acabam numa orgia Rousseaueana de volonté ​générale, mais forçada que vontade e menos geral que particular, e num ostracismo Huxleyeano, com pessoas como nós a viver numa reserva de selvagens.

Regresso ao Advento. Durante o Advento, na tradição católica, é comum cantarem-se, nas Antífonas do Ó, várias súplicas ao Senhor; de entre elas: Veni ad docendum nos viam prudentiae (Vinde ensinar-nos o caminho da prudência) e Veni ad liberandum nos; jam noli tardare (Vinde libertar-nos; não tardeis jamais). A estas súplicas, a resposta do Senhor surge no acróstico ERO CRAS, que em latim quer dizer “serei amanhã, virei amanhã”. Só espero é que amanhã não seja tarde demais. Tenham um Santo Natal.

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