Não houve mortalidade colateral (não covid) excessiva em Portugal no ano 2020
Henrique Carmona da Mota
A questão do aumento ou não da mortalidade não-covid desde o início da pandemia é abordada neste artigo pelo médico e professor de pediatria (reformado) do Hospital Pediátrico da Universidade de Coimbra Henrique Carmona da Mota
É geralmente assumido ter havido uma mortalidade colateral (não covid) excessiva durante o primieio ano da pandemia. Os trabalhos que fundamentaram esta perceção usaram como padrão o valor médio da mortalidade dos últimos cinco anos, como é clássico.
A meu ver, estes padrões não são adequados a países com valores crescentes de mortalidade; havendo uma evolução, a média dos valores históricos não representa “os que seria de esperar”. Era o caso de Portugal.
O quadro mostra os valores da mortalidade anual por milhão de habitantes (dados da Pordata e do Banco Mundial), que são progressivamente mais elevados.
Verifica-se que, em 2020, o número de óbitos por milhão de habitantes, sem contabilizar as mortes por covid, foi superior (5,3 %) ao da média dos cinco anos anteriores, um valor semelhante aos que já se haviam verificado em 2018 (5,4%) e em 2016 (5,6%).
Era de esperar que o valor de 2020 fosse superior aos anteriores; o que importava era saber se essa diferença era ou não significativa.
Um crescimento progressivo do número de óbitos anual invalida o padrão clássico. Havia que procurar outro que, tendo por base os valores históricos, considerasse não a sua média, mas a tendência da evolução - o padrão mais correto de avaliar o que seria de esperar acontecesse.
O tratamento informático dos dados da mortalidade de 2006 a 2019 gerou uma curva (tracejado a vermelho) com a prevista tendência crescente. O tratamento matemático desses dados previu que os valores de 2020 (excluídos os das mortes atribuídas à covid) variariam entre 10,75 e 11,61 (linha tracejada a verde, no canto superior direito). O valor de2020 (11,31, bola cor de laranja no gráfico) está seguramente dentro dos valores esperados.
Conclusão: a mortalidade em 2020 (excluída a atribuída à covid-19) foi superior à dos anos anteriores mas não excessiva, porque está de acordo com o que seria de esperar dada a tendência crescente verificada naquele período num país em envelhecimento.