Opinião

Os comandos, os diamantes e as histórias mal contadas

Esta história está muito mal contada. Mais uma. Sem todas as respostas a este caso, que pode ir de uma chocante ingenuidade a uma assinalável perversidade, não saberemos como confiar num eficaz relacionamento entre os diferentes poderes

Há histórias com pés e cabeça, há muitas que cheiram a esturro e há outras em que só acredita quem quer. É o caso da fábula sobre a ignorância em que estariam o Presidente da República e Chefe Supremo das Forças Armadas e o primeiro-ministro sobre o caso dos comandos suspeitos de traficarem diamantes, ouro e droga.

Marcelo Rebelo de Sousa, primeiro, e António Costa, depois, vieram dizer que nada sabiam do mais recente escândalo. Pelo meio, o ministro da Defesa explicou que nada comunicara sobre o tema, por imposição do segredo de Justiça – a tal figura jurídica que é sempre invocada quando alguém não sabe bem o que dizer ou não quer admitir algo.

Disse João Gomes Cravinho que fez caixinha da informação – em Portugal, que à ONU mandou um alerta – apoiando-se em pareceres jurídicos.

Cravinho não ouviu, seguramente, os advogados com quem falei. E bastava conhecer um pouco da vida para saber que mesmo nos processos em segredo de Justiça se pode requerer aos magistrados que o impuseram que definam o seu âmbito e extensão. Seria, portanto, suficiente requerer permissão para alertar o Presidente e o primeiro-ministro, curiosamente dois juristas que devem perceber destas matérias, tão básicas são.

O ministro da Defesa é reincidente em esquecer-se de informar o Presidente. Recorde-se o episódio da nomeação não consumada do vice-almirante Gouveia e Melo.

Tudo isto somado, venham de lá os pormenores para que não fiquemos com a sensação de que alguém nos quer tomar por tolos:

Se o ministro da Defesa soube dos indícios antes da abertura do processo (o que o iliba de ter ele próprio violado o tal segredo que tanto preserva), porque não comunicou logo as suspeitas ao Presidente e a membros do Governo?

Se tinha informação suficientemente segura e considerou importante participar às forças da ONU, porque não sentiu o mesmo apelo em relação aos comandos portugueses?

Que dizem efetivamente os pareceres e quem os assina?

Porque não requereu ao juiz de Instrução Criminal permissão para comunicar ao Chefe Supremo das Forças Armadas e ao chefe do Governo e, já agora, ao ministro dos Negócios Estrangeiros? Se pediu, qual a decisão do magistrado? E recorreu dela, caso tenha existido e se tenha sentido insatisfeito?

Manteve-se atento e informado sobre a gravidade dos indícios que foram sendo recolhidos? Ou também foi surpreendido pelas notícias dos jornais?

Pensou João Gomes Cravinho que o caso era de somenos?

Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa não se sentiram melindrados por serem dadas informações à ONU sobre uma investigação melindrosa envolvendo militares portugueses em missão no estrangeiro? Um e outro estão a dizer toda a verdade e nada mais do que a verdade?

Esta história está muito mal contada. Mais uma. Sem todas as respostas a este caso, que pode ir de uma chocante ingenuidade a uma assinalável perversidade, não saberemos como confiar num eficaz relacionamento entre os diferentes poderes.

Qual será o segredo que impede que haja transparência?

Enfim, mais uma polémica alimentada pelas meias palavras a que o Governo nos habituou.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: garciajadag@gmail.com

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