Opinião

COP (26) meio vazio ou meio cheio?

Bernardo Cunha Ferreira, Advogado da CMS Rui Pena & Arnaut

Tornou-se um desporto nacional (e internacional) dos últimos dias, vaticinar o insucesso dos objetivos traçados pela COP 26 (Conference of Parties no âmbito da Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas) que se realiza por estes dias em Glasgow e sob organização do Governo britânico. Entre ambientalistas, jovens, políticos mais verdes ou menos verdes e outros players, circula a ideia de que se desvaneceu a última esperança para limitar o aquecimento global e acautelar as alterações climáticas. Tal ideia é sustentada na impossibilidade de acordo nos principais temas, como seja a definição de regras para os mercados internacionais de carbono, as datas de referência usadas para as reduções de emissões e o financiamento aos países desenvolvidos para medidas de adaptação e mitigação.

Como sempre e em qualquer tema, é sempre possível olhar para a realidade, atendendo apenas àquilo que podia/devia ser (copo meio vazio) e também aferir aquilo que ela já é (copo meio cheio), partindo dessa essência (passado e presente) para perceber que caminhos são verdadeiramente possíveis (futuro). Não obstante a primeira perspetiva lograr obter sempre mais atenção mediática, a segunda via, creio, por ser construída a partir do que existe, acaba sempre por, a longo prazo, assegurar resultados mais efetivos.

Para se obter essa perspetiva creio que o primeiro passo a dar consiste em olhar com esperança para o passado. Nessa ótica, quantos imaginariam após duas guerras mundiais com efeitos terrivelmente devastadores sobre a população e território que, 50 anos volvidos, à mesma mesa se sentariam 191 nações para procurar consensos sobre um tema tão intimamente ligado à soberania dos Estados (ao seu território e ao poder)? Quantos imaginariam ainda mais possível, um alinhamento (ainda que programático) de medidas (ambientais) que representam um significativo impacto nas economias, nas empresas, nos hábitos da população, nos trabalhos ativos de milhares de milhões de pessoas? Neste percurso de várias décadas, convém também não esquecer que, em paralelo com tais encontros e desencontros se desenvolveu uma importante consciência social e empresarial e se promoveu a criação de uma verdadeira comunidade científica, jurídica, ativista e política incidente sobre matérias ambientais que, diga-se, inexistiam (só a título de exemplo, recorde-se que, a primeira lei de bases do ambiente em Portugal data de 1987!).

Nesta perspetiva importa também aferir o presente. E do presente, o principal obstáculo ao sucesso das COP tem sido, reconhecidamente, a ausência do direito, de normas sancionatórias, no fundo a ausência de coercibilidade (i.e. sanção) às medidas e objetivos propostos. É certo que, em muitos casos, o direito “intromete-se” na realidade, criando e promovendo alguma complexidade por vezes desnecessária. No entanto, em matéria ambiental, a existência e a implementação de um direito internacional ambiental muito contribuiria para a eficácia dos objetivos e metas propostos. Tal implicaria, entre outros aspetos, a necessária consolidação de todo o direito internacional ambiental (são muitos os acordos multilaterais, as convenções e os protocolos em matéria ambiental), a assunção do carácter transfronteiriço dos problemas ambientais (que assim deixariam de se situar apenas na alçada da soberania de um Estado) e ainda a criação de um Tribunal Internacional para o Ambiente (por exemplo e como e bem sugerido pela Prof.ª Carla Amado Gomes, através da criação de uma agência no seio da ONU com competência de regulação, mediação e resolução de conflitos ambientais). Nesta matéria, não se podem negar alguns avanços recentes impulsionados, direta ou indiretamente, pela COP. Por um lado, a criação do livro de regras do Acordo de Paris, que visa, ainda que de forma genérica, verter algumas das principais previsões normativas da COP. Por outro, algumas decisões jurisprudenciais recentes que tem sustentado as suas posições em objetivos definidos na COP e impuseram a determinados operadores a adoção de certos comportamentos. Uma das decisões mais relevantes foi proferida ainda este ano pelo Tribunal de Haia que, condenou a Royal Dutch Shell a proceder ao corte de emissões decorrente da sua atividade em linha com as metas definidas no Acordo de Paris (em traços gerais, o plano de reduções apresentado pela Royal Dutch Shell apresentava várias condicionantes e zonas cinzentas o que originou várias reclamações de ambientalistas no sentido de assegurar a revisão desse plano e a imposição de metas mais realistas).

E por fim, o mais relevante: o futuro. A este respeito, diríamos que as metas e objetivos da COP só se atingirão se for assegurada a coercibilidade acima referida e ainda, se se respeitar duas condições, a meu ver, essenciais. Primeiro: a transição energética deve ser efetuada conjuntamente com a indústria e principais operadores de combustíveis fosseis, os atores do comércio e de investimento internacional (é por exemplo a todos os níveis contraproducente a tomada de posição de alguns ambientalistas segundo a qual estes players deveriam ser banidos da COP). Segundo: a transição energética não dever esquecer o papel que, a economia em torno dos combustíveis fósseis suscita (dezenas de milhares de postos de trabalho ainda dependem desta indústria) e o seu papel na sustentabilidade do mix energético (atente-se por exemplo, o atual fenómeno dos preços de eletricidade que tem também origem na política de descarbonização, particularmente no desinvestimento acentuado no gás natural).

Tudo visto, o COP, tem passado, tem presente e terá certamente futuro. Basta que olhemos o COP com realismo não esquecendo as “águas já depositadas” nem o espaço que falta definitivamente preencher.

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