As Alterações Climáticas e a Tributação do Carbono
As Nações Unidas têm estudado as medidas mais eficazes para a redução das emissões de gases estufa. O regime do comércio de licenças de emissão, em vigor há 16 anos, provou ser insuficiente
Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
As Nações Unidas têm estudado as medidas mais eficazes para a redução das emissões de gases estufa. O regime do comércio de licenças de emissão, em vigor há 16 anos, provou ser insuficiente
O carbono é tido como o principal responsável pela emissão de gases de efeito estufa e o aquecimento global. O recente pacote do clima da União Europeia é um roteiro para a diminuição de 55% das emissões de gases estufa até 2030, através do mercado de carbono da União, e inclui medidas fiscais a adotar pela União e pelos Estados.
O pacote conjuga, entre outros: o regime de comércio de licenças de emissão, alargado ao setor da aviação e marítimo, até agora isentos; a diretiva sobre a tributação da energia, definindo taxas mínimas de impostos para aquecimento e transporte; e o mecanismo de ajustamento de carbono nas fronteiras (CBAM), aplicável na primeira fase a todas as importações de materiais de construção, fertilizantes e eletricidade cuja produção não respeite os critérios ambientais da União. Este mecanismo será introduzido como um recurso orçamental da União, aplicável à amortização da dívida do fundo de recuperação. Para evitar a sua incompatibilidade com as regras da Organização Mundial de Comércio, a União desenhará o CBAM como um mecanismo regulador do mercado de carbono na União, com funções sancionadoras: a União aparece como um clube climático (como propôs Nordhaus), aplicando uma sanção aos países não cumpridores.
As Nações Unidas têm estudado as medidas mais eficazes para a redução das emissões de gases estufa. O regime do comércio de licenças de emissão, em vigor há 16 anos, provou ser insuficiente. Ele fixa um preço para o carbono e estabelece um limite máximo de emissões, mas não conseguiu atingir um preço minimamente elevado para a negociação em mercado aberto.
A tributação do carbono é agora entendida como uma das mais importantes medidas fiscais suscetíveis de alterarem o comportamento nos padrões de consumo do carbono, fixando um preço na poluição e incentivando a redução do seu consumo (veja-se: Tatiana Falcão, A Proposition for a Multilateral Carbon Tax Treaty, IBFD, 2019; “Highlights of the UN Handbook on Carbon Taxation”, Intertax, 2021, 11). Comércio de licenças de emissões e imposto sobre o carbono são complementares, muitos Estados europeus já os adotam, este ajuda a estabilizar o preço no mercado de emissões. O Pacote do clima da União prevê um valor de 60 euros por tonelada de dióxido de carbono em 2050.
Este ano também foi apresentado o Manual das Nações Unidas, elaborado pelo subcomité da tributação ambiental, sobre as possíveis configurações de um imposto sobre o carbono.
Espera-se que ele seja adotado pelo maior número de Estados da comunidade internacional, e não apenas pelos subscritores do Acordo de Paris (de 2015).
Há países que já têm ou já se comprometeram a adotar um imposto sobre o carbono: Além de Portugal, África do Sul, Argentina, Canada, Chile, Colômbia, Dinamarca, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Islândia, Irlanda, Japão, Letónia, Liechtenstein, Luxemburgo, México, Noruega, Países Baixos, Polónia, Reino Unido, Singapura, Suécia, Suíça e Ucrânia.
Ao contrário do protocolo de Kyoto (1997), diferenciando entre Estados desenvolvidos e os outros, o Acordo de Paris exige a adoção universal de medidas adequadas a combater as alterações climáticas. Volta ao objetivo inicial do Acordo-quadro das Nações Unidas sobre alterações climáticas (1992).
O Manual das Nações Unidas, acima referido, aponta caminhos para a tributação do carbono: segundo o princípio do poluidor-pagador (deve pagar o imposto quem polui), o poluidor deve pagar um imposto proporcional ao conteúdo poluente do produto consumido, produzido ou extraído. E o princípio da precaução recomenda a tributação ou uma redução concreta de emissões por parte de uma indústria, para evitar efeitos ambientais nefastos.
Ambos os princípios e a eficácia das medidas aconselham a adoção do imposto sobre o carbono a montante, por volume ou unidade de preço. As atividades a montante abrangem a descoberta e exploração de combustíveis fósseis e a sua importação num país participante do Tratado de Paris.
Segundo esta perspetiva de tributação a montante, o imposto é lançado ao nível da extração ou importação, sobre combustíveis fósseis específicos (petróleo bruto, gás e carvão, e produtos derivados); a tributação a montante tem um impacto ao longo de toda a cadeia, até ao consumidor final. Outras vantagens apontadas são a difícil evasão ao imposto e o baixo nível de interação com as autoridades tributárias. Todavia, podem ser necessários subsídios compensatórios para famílias de baixo rendimento.
A África do Sul, o Chile e Singapura adotam o modelo oposto: de tributação a jusante, ao nível do processamento do produto ou da distribuição do mesmo. O imposto é calculado com base nas emissões de carbono pelos sujeitos a imposto, exigindo monitorização e verificação dessas emissões: portanto, maior complexidade e interação com o fisco.
Apesar da relevância dada ao imposto sobre o carbono, a ideia crescentemente veiculada pelas organizações internacionais é a da liberdade para cada país ou clube climático adotar as medidas ambientais que entenda mais adequadas, desde que conduzam a um preço mínimo do carbono. A União Europeia e o CBAM são um bom exemplo, estão na linha da frente, resta esperar para ver.
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