Foi ao sétimo dia do meu isolamento profilático, e sem ter passado por qualquer purgatório, que recebi uma chamada da Saúde Pública. Seis dias terá levado a criação do mundo, segundo a Bíblia. O sétimo dia, momento santo, teria sido dedicado ao descanso. Mas foi ao sétimo dia que, incansável, a equipa de inquérito epidemiológico me rastreou.
Não tenho nenhuma crítica a fazer relativamente a qualquer profissional de saúde com quem contactei neste período. Mas sete dias é muito. Fui prevenido pelo Parlamento, no próprio dia, que tinha havido um caso positivo com quem tinha contactado. Nessa mesma noite, tomei a iniciativa de contactar o SNS24. Minutos depois da chamada, tinha no meu telemóvel uma mensagem com um código para fazer um teste PCR gratuito, uma ligação para a lista de laboratórios disponíveis na minha zona, um código para aceder à declaração provisória de isolamento profilático, uma página para registar algum sintoma, caso os tivesse. Tudo impecável, grande eficácia do serviço público.
Mas neste processo constatei pessoalmente os alertas que tantos profissionais de saúde têm lançado. Numa altura em que estamos em plena 4ª vaga e perante o crescimento da incidência da Covid-19, acumulam-se os inquéritos epidemiológicos por realizar. Na Região de Lisboa e Vale do Tejo, onde já se ultrapassou há vários dias os 300 casos por 100 mil habitantes, havia há poucos dias mais de 1000 inquéritos por realizar. O jornal Público da passada quarta-feira confirmava o que também eu ouvira num desabafo do meu centro de saúde. Portugal está com a menor capacidade de rastrear e isolar contactos de pessoas infetadas com a covid-19 desde que estas contas começaram a ser divulgadas, em abril. Um quarto dos contactos de infetados com covid-19 não é rastreado. A explicação dos especialistas é esta: cansaço e, sobretudo, falta de pessoal. A contratação de profissionais para estas tarefas não é suficiente e tem sido reativa e não proativa, explicam os médicos de saúde pública. Contrata-se temporariamente, como se fez no início do ano, dispensa-se quando a pandemia decresce, como se fez depois. Quando entrámos na nova vaga estávamos sem profissionais suficientes para a avalancha de casos - e qualquer solução agora já parte com esse atraso.
Isto é problemático. No meu caso, tive a sorte de ter sido imediatamente informado pelo diligente serviço da Assembleia acerca do teste positivo da pessoa com quem contactei e de ter ligado para o SNS24. E entrei em isolamento. Mas quando a pessoa responsável da saúde pública me contactou, ao sétimo dia, apercebi-me em conversa do que se passava: só nessa altura a equipa da saúde pública estava a conseguir fazer o rastreio do conjunto de pessoas que terão contactado com a trabalhadora infetada e a dar indicações a cada uma. Quantas terão continuado, nesses seis dias, a fazer a sua vida normal? Quanto links de potencial contágio poderiam, eventualmente, ter sido evitados?
Mais eficaz do que, por exemplo, a panóplia de controversas medidas anunciadas para restaurantes e cafés, seria investir a sério, e de imediato, na identificação e no isolamento das cadeias de contágio. É fundamental e faz toda a diferença ter um dispositivo de saúde pública reforçado, com equipas em número suficiente para responder a esta nova vaga. Contratar profissionais é uma urgência.
Agora que passou quase um ano e meio do início da pandemia, agora que temos vacinas e que demonstrámos uma admirável capacidade de concretizar a vacinação, agora que sabemos mais (e ainda tão pouco!) sobre o vírus, agora que as medidas de contenção se confrontam com a inevitável fadiga pandémica, é preciso muito mais capacidade na testagem, no rastreamento, no investimento na saúde pública. Isso tem de ser uma prioridade do Governo, porque não bastam os apelos à “responsabilidade individual”. No oitavo dia do meu isolamento profilático, eis o meu desejo e a minha alegação.
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