É tempo de rever prioridades e mudar de vida. Hoje, o risco de morrer num acidente, por envenenamento ou vítima de violência em Portugal é muito superior ao de morrer de Covid19. E o de empobrecer também. Não quer isto dizer que não devemos ter cuidados, mas não podemos viver assim para sempre. E "isto", para quem perdeu negócios, para quem perdeu emprego, para quem empobreceu, para quem se arrisca a perder o segundo Verão da sua juventude, já é demasiado tempo.
A 26 de Fevereiro de 2020, Debora McKenzie perguntava na New Scientist porque é que a OMS não declarava oficialmente uma pandemia de Covid19. A 11 de Março, a OMS fez-lhe a vontade. 4 milhões mortos depois percebe-se a razão. Há décadas que o mundo não tinha, num intervalo tão curto de tempo, tantas mortes com a mesma causa.
Porém, Debora Mckenzie, que anda há décadas a escrever sobre vírus, encontrava uma razão para aquilo que, então, lhe parecia uma relutância em decretar a pandemia: os países não saberem o que fazer com isso. Eu acrescento outra razão, óbvia desde a primeira hora: o medo que causa na população. E acrescento ainda outra: o dano que esse medo causa à democracia. Mas já lá vamos.
Voltemos à nossa amiga Debora. Dizia ela, na ausência de critérios uniformes para definir uma pandemia, que, ainda assim, estavam reunidos os três critérios que as autoridades norte-americanas usam nestas circunstâncias: propagação do vírus entre pessoas, propagação à escala planetária e causa de morte. Ora, numa altura em que o medo alastrou e os danos que o mesmo provoca nos mais elementares direitos de cidadania estão à vista, vale a pena voltar a fazer contas à vida. Que é o mesmo que dizer, fazer contas às mortes.
Em Portugal, nos últimos 7 dias tivemos, aproximadamente, uma média diária de 2.500 novos casos e 5 mortes por Covid19. 0,2% de fatalidade nos últimos 7 dias considerando só os novos casos. A taxa de fatalidade oficial, essa, porque considera a totalidade de casos desde o início da pandemia, anda nos 1,9%. Este sinal inequívoco de redução das fatalidades tem um nome: vacina.
Deixem-me voltar um ano atrás, recordando duas coisas. Uma que já aqui assinalei: um dos critérios para o decreto da pandemia é o vírus causar mortes (mortes em número significativo, permitam-me acrescentar). A outra é que os sucessivos Estados de Emergência visavam duas coisas: aliviar a pressão dos serviços de saúde e, assim, uma vez mais, diminuir as mortes.
Ora, de acordo com os dados diários, se é verdade que a propagação do vírus tem aumentado, também é certo que as mortes, o número de internados e o número de internados em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) diminuíram significativamente ou estão dentro de valores perfeitamente comportáveis pelos serviços de saúde.
Talvez não seja inútil, nesta altura, invocar o estudo da Lancet que, sobre a crise financeira de 2008, demonstrou que o aumento do desemprego está associado ao aumento de mortalidade relacionada com o cancro, e que, resultado dessa crise, morreram - adicional e consequentemente - centenas de milhares de pessoas; nem o quanto esta pandemia impactou na saúde dos portugueses, quer em agravamento dos cuidados prestados quer em mortes extra-Covid19; nem o drama vivido pelos pequenos negócios e a grave crise económica em que estamos mergulhados.
Vivemos tempos kafkianos, com regras, quais botas cardadas em cima da Constituição, que ninguém percebe, que quase ninguém cumpre e que erodem direitos essenciais e a própria autoridade do Estado. Por exemplo, no fim de semana passado, para comprar tabaco às 19.00, tive mais dificuldade e estive mais exposto ao contacto social numa bomba de gasolina, que se em 1961 tivesse querido ouvir a Rádio Moscovo. Um casal que, amanhã, tenha de levar um filho de 4 anos a uma consulta importante, ou o pai ou a mãe, um deles, terá de ficar na sala de espera, porque não podem entrar os dois. Este fim de semana, para ir a um restaurante, as famílias e os donos dos restaurantes estiveram sujeitos a um processo de planeamento e rastreio, que não bastasse a discutível intrusão e violação de privacidade, é altamente complexo; causando desmotivação nos primeiros e perda de facturação ou aumento de custos aos segundos. E como se isto não bastasse, há quem no Conselho de Ministros admita recuar ainda mais no desconfinamento.
Tudo isto, não por causa de um vírus que, de há 3 meses a esta parte, não matou mais que 10 pessoas por dia. Por causa de uma matriz de risco que não considera letalidade, não considera % de vacinados, não considera faixas etárias, não considera internados em UCI, e por causa de um governo que não faz a menor ideia do que é que anda a fazer. Ou faz, e nesse caso o cenário é pior.
Repito: dizer isto não é nem negar o risco com efeitos retroactivos, tornando-me um negacionista a posteriori, nem negar os riscos de novas variantes: agora a Delta, depois a Lambda. O problema é que até chegarmos à Omega o alfabeto grego tem um sem número de letras pelo meio. E até lá morremos da cura, porque se a cura é a perda de liberdade - já que risco zero não existe! -, é tempo de recordar Patrick Henry, um dos founding fathers dos Estados Unidos: "Dê-me a liberdade, ou dê-me a morte!" E, de caminho, tratem-nos como adultos.
Houve um homem que, em 1971 na Assembleia Nacional em pleno Estado Novo, proferiu um discurso de defesa da Liberdade. Nesse discurso, esse homem, disse: «Com medo do abuso, limita-se o uso, limitação que pode ir à supressão, para tranquilidade do poder, já que, onde liberdade não há, abuso dela não pode haver.» Esse homem chamava-se Francisco Sá Carneiro. E olhando para a política nacional, para os políticos no activo, podemos afirmar, lamentando, que já não os há desta têmpera.