Opinião

Piers Morgan, mártir pela liberdade de expressão?

Piers Morgan, mártir pela liberdade de expressão?

Julie Machado

Mestre em Teologia, luso-americana

O que é a liberdade de expressão? Muitos dizem que se pode dizer o que se quer, desde que não seja racista, machista, fascista ou, nas palavras da Meghan Markle, “ofensivo”. Piers Morgan, jornalista, e Sharon Osbourne são despedidos por afirmações ofensivas

Será que há liberdade de expressão em Portugal e no mundo ocidental? Por estas paragens, não parecem rolar tantas cabeças como em outros países com governos “mais totalitários”. Os jornalistas relatam todos os pormenores mais sórdidos da vida das pessoas e nada parece ser tabu.

Uma análise mais aprofundada poderá revelar que não existe verdadeiramente a liberdade de expressão, nem em Portugal, nem nos noticiários mais divulgados que sobrevivem de cliques e vendas.

No passado dia 7 de março, Meghan Markle e o Príncipe Henry foram entrevistados por Oprah, entrevista essa vista no mundo inteiro e que os projetou ainda mais para a ribalta. Quem nunca tinha ouvido falar de Meghan Markle, passou a conhecê-la. Nessa entrevista, entre outras e variadas queixas, Meghan Markle afirmou ter passado os últimos anos “em silêncio”. Quando Oprah perguntou se ela foi “silenciosa ou silenciada” ela respondeu que foi silenciada.

O mundo inteiro e os noticiários todos aplaudiram esta entrevista. Um jornalista, porém, chamado Piers Morgan, ousou exprimir uma opinião contrária. Piers Morgan já tinha uma carreira longa de jornalista, incluindo a CNN e programas de futebol, e trabalhava no programa “Good Morning Britain”. Neste programa, colocou em causa a veracidade das afirmações de Meghan Markle: nomeadamente, que a realeza britânica lhe tenha dito para não procurar ajuda psicológica; mas, também, que não permitem o filho do casal ser príncipe devido a racismo (quando na verdade ele nunca estaria em linha de sucessão para o trono devido a uma lei de 1917). Piers pediu que ela esclarecesse quem especificamente lhe disse isso, para evitar especulações.

A própria Meghan Markle, ainda no papel de vítima, apresentou queixa alegando que o que Piers Morgan dissera fora “ofensivo” para ela. Apresentou esta queixa a uma agência governamental britânica chamada Ofcom, que regula a comunicação, e Piers Morgan ficou sem trabalho no “Good Morning Britain”. Foi tão simples quanto isso. Interessante notar que o Reino Unido regula a comunicação a nível governamental, enquanto nos Estados Unidos não existe um paralelo e a primeira emenda à Constituição protege a liberdade de expressão.

Piers Morgan recusou pedir desculpa, dizendo num tweet no dia 10 de março: “Na segunda-feira disse que não acreditei em Meghan Markle na sua entrevista a Oprah. Tive tempo para refletir sobre essa opinião, e ainda não acredito. Se tu acreditaste, tudo bem. Liberdade de expressão é uma colina na qual estou disposto a morrer. Obrigado por todo o amor, e ódio. Vou-me embora, para passar mais tempo com as minhas opiniões.” E, juntamente com este tweet, colocou uma imagem com a seguinte citação de Churchill: “O conceito de liberdade de expressão de alguns é que estão livres para dizerem o que querem, mas se alguém responde, é uma afronta.”

O mesmo não se poderá dizer de Sharon Osborne, que tentou defender Piers no programa “The Talk”. Foi criticada, pediu desculpas publicamente e, mesmo assim, foi despedida no dia 26 de março.

O que é a liberdade de expressão? Muitos dizem que se pode dizer o que se quer, desde que não seja racista, machista, fascista ou, nas palavras da Meghan Markle, “ofensivo”. No entanto, pode chamar-se racista a alguém (neste caso, tanto a Piers Morgan como a Sharon Osborne), sem fundamento nenhum, e acabar com a carreira dessas pessoas. Não estaremos também perante um comportamento ofensivo, destrutivo ou de censura?

Piers Morgan escreveu noutro tweet, dia 17 de março: “Dois pontos-chaves da semana passada precisam de ser reforçados: 1) Não é ‘racista’ não acreditar em alguém que está a dizer mentiras. 2) Não tens de concordar com uma palavra que eu diga para poder apoiar o meu direito às minhas opiniões.”

Piers, e muitos outros, acreditam que não é uma maioria, mas uma minoria bastante vocal, que controla os meios de comunicação como uma nova forma de fascismo. Surgem novos termos para descrever os que estão nesta categoria, nomeadamente “woke” e “cancel culture”. Diz Piers Morgan também por tweet no dia 15 de março, “...a brigada woke está a destruir todos que conseguem e precisa de parar. É uma nova forma de fascismo.”

Piers Morgan publicou um livro intitulado “Wake Up”, precisamente sobre estas questões. Ele diz por tweet, no dia 23 de março: “Leiam a minha defesa da liberdade de expressão e o apelo para acabar com o lixo de woke cancel culture. Chegou a hora de lutar pelo direito de ter uma opinião, mesmo que mais ninguém goste!”

Aqui em Portugal haverá noticiários com perspetivas diferentes? Nos Estados Unidos há uma dicotomia entre a Fox News, por um lado, e quase todos os outros noticiários, incluindo a CNN, do outro. Piers Morgan escolheu o programa de Tucker Carlson na Fox para dar uma entrevista depois do sucedido. Tucker Carlson afirmou nesse programa: “A única razão pela qual estamos a ter esta conversa é porque a família Murdoch, que controla a Fox, está de pé a enfrentar ‘the mob’ (a multidão), e não cede. Isso é literalmente a única razão pela qual ainda tenho o meu emprego.”

Piers Morgan não perdeu a vida, mas perdeu o emprego, tal como Sharon Osborne. Muitos outros perdem o emprego e a reputação se ousarem exprimir uma opinião contrária à da multidão. Piers Morgan, com o seu livro e com a sua posição sem remorsos, junta-se a uma nova fileira de muitos a lutar contra uma censura moderna dificilmente identificável. A liberdade de expressão é para todos, mesmo que alguém a possa considerar racista, machista, fascista ou ofensiva.

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