Opinião

A preguiça também mata a democracia

A preguiça também mata a democracia

Hugo Carvalho

Deputado do PSD

Nunca tínhamos estado confinados em períodos de campanha, nunca nos tinham dito para fechar a empresa mas ir votar no dia das eleições, nunca nos tinham preocupado tanto as horas e os dias seguintes, nunca o país tinha disputado vidas ao mesmo tempo que eleições… Desta vez, existem mesmo muitas razões para a falta de mobilização eleitoral. E se é verdade que o momento não ajuda, os candidatos e o Governo também não

Os candidatos preferem discutir se a saúde deve ser só pública ou com privados, por acordo ou por requisição, em vez de se discutir como tratar os portugueses; obrigam-se as pessoas a fechar os seus negócios, mas organizam-se grandes jantaradas de campanha, e à falta de melhor, demasiado tempo é perdido em “o teu partido isto e aquilo”, traz-se Sócrates para a conversa ou então insulta-se alguém.

O Governo, por seu lado, tinha uma tarefa: percebendo a seriedade com que adverte para tudo o resto, pensar o ato eleitoral com vista à prevenção e à redução do risco. Infelizmente, essa tarefa tinha como responsável direto o Ministro da Administração Interna que não sei o que mais possa (não) fazer para o primeiro-ministro se aperceber de que já não tem condições para continuar na pasta.

Perante um voto antecipado que correu evidentemente mal, elogiou o processo e viu nas filas (que aumentaram intoleravelmente o risco epidémico) um entusiasmo semelhante ao das primeiras eleições… Inqualificável: entre contradições na informação aos eleitores, boletins de voto com candidatos inválidos, a Comissão Nacional de Eleições a dizer que havia filas falsas ou o delírio do ministro a tentar normalizar um processo eleitoral completamente amador, não se consegue perceber o que possa ter corrido bem.

Existe, ainda assim, uma exceção: a parte digital. O processo de inscrição para o voto antecipado corre sem problemas, é simples, é seguro, não tem partido, e trata da mesma forma qualquer eleitor. Deve portanto colocar-se a questão: porque não se digitaliza mais o processo eleitoral? Não mudar nada, nem sequer em pandemia, ou aprendendo com esta experiência, é apenas preguiçoso!

O voto eletrónico é (como tudo o que é eletrónico) suscetível a falhas de segurança e ataques cibernéticos. Mas ao contrário de quase tudo o que é eletrónico, uma democracia não tem margem para quebras de confiança: tudo em qualquer eleição tem de poder ser auditado pelos eleitores, garantindo que não existem interferências em nenhum resultado.

Ora isso não significa que não se aproveite para complementar o processo eleitoral com o desenvolvimento tecnológico, alargando e facilitando a participação. Não há qualquer razão para que o nosso caderno eleitoral não seja digital e possa permitir que qualquer português vote em qualquer local do país (e durante um período maior, de vários dias, por exemplo), para permitir que todos possamos ter mais dados sobre o enorme problema que é a abstenção, ou para permitir ganhos de eficiência no ato de votação e na própria contagem dos votos, garantindo sempre o voto em papel para que nunca se questionem os resultados. No domingo passado votaram 110 mil pessoas. Votaram a meio da campanha, e não precisaram de dia de reflexão para o fazer - algo que só por si nos deve fazer refletir sobre todos os institutos obsoletos que ainda temos no sistema.

Há muito para mudar no processo eleitoral, e se a pandemia não nos mostra isso, não sei o que poderá mostrar. Importante, para hoje, é agradecer a todos os portugueses que aguentaram horas a fio para poderem cumprir o seu dever, alertar todos os que não conseguiram de que estão automaticamente inscritos para votar no próximo domingo e apelar ao Governo que garanta as condições adequadas para este processo se realizar. Há muitos que “sabem” quem vai ganhar, mas o seu vencedor não ganha sem si.

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