A crise que estamos a viver está repleta de paradoxos. Ainda é cedo para abandonar o foco na gestão da crise sanitária, protegendo e salvando vidas, mas já começa a ser tarde para preparar a resposta às consequências sociais e económicas da crise. Ainda é cedo para fazer o balanço detalhado do impacto da crise, mas já sabemos o suficiente para concluir que os níveis de pobreza serão fortemente agravados e que as desigualdades, dentro e entre países, serão exponenciados. Ainda não sabemos quando, nem como, nos livraremos da pandemia, mas já sabemos que esta é a maior crise dos últimos 75 anos e que teremos de lidar, durante muitos anos, e em alguns casos décadas, com as consequência da crise.
Não temos escolha. Desta vez, não é possível estabelecer a sequência natural de ações — primeiro a pandemia, a seguir a economia. Desta vez teremos de, no presente, dar uma resposta para um futuro cujos contornos não estão totalmente nítidos.
Mas, não nos enganemos. Falhar na resposta às consequências sociais e económicas não radica na eventual natureza tardia na formulação de estratégias; todos os governos estão, aliás, mobilizados para uma reação rápida. Mas movimento sem deslocamento é perda de energia. O grande risco de fracasso radica no anacronismo ou no desajustamento da reposta. Precisamos de uma resposta política que não se limite a restaurar os danos provocados pela crise pandémica mas que vá mais longe e enfrente os outros problemas estruturais que nos impedem de crescer há décadas, de que são exemplo a dívida muito elevada, o baixo investimento público e privado, a elevada dependência energética e alimentar, o elevado peso do Estado, a elevada carga fiscal, a crise demográfica, a baixa confiança na justiça, na política e nas instituições, as baixas qualificações, a reduzida mobilidade social e as gritantes desigualdades sociais e territoriais.
Precisamos de uma resposta que não supere apenas esta pandemia mas que seja capaz de, em simultâneo, enfrentar as outras crises globais, como as alterações climáticas, a extinção de biodiversidade e a crise migratória, e tirar partido das novas oportunidades associadas à economia verde e azul e à revolução industrial 4.0.
E precisamos de uma reposta que não limite a estratégia de recuperação económica e social apenas ao financiamento, esquecendo o valor decisivo das reformas políticas.
Portugal vive um momento decisivo para as presentes e para as futuras gerações e o think tank Plataforma para o Crescimento Sustentável assume, mais uma vez, a responsabilidade de contribuir para a investigação, o desenho e o debate de soluções que permitam libertar plenamente o potencial de crescimento sustentável de Portugal. Em 2011, coincidindo com o arranque do resgate económico-financeiro, não nos resignámos com a querela artificial austeridade-crescimento e lançámos um amplo movimento cívico em torno da nossa “Visão pós-troika”. Hoje, esse sobressalto cívico é ainda mais importante. Assim como em 2011 era importante olhar além da austeridade, hoje é fundamental olhar além do financiamento.
Há vários caminhos para o crescimento, mas nem todos são sustentáveis. O que está em causa é a capacidade de liderar respostas que assegurem a sustentabilidade económica, social e ambiental do crescimento. A estratégia de crescimento terá de assentar em reformas estruturais, responsabilidade orçamental e investimento produtivo e seletivo. Sendo que a construção dessa nova visão envolve, necessariamente, a coragem para desenhar novos conceitos, impulsionar novas ruturas e forjar novos compromissos.
Por mais confortável que seja limitar a visão estratégica pós-covid a uma mera corrida aos fundos europeus, não é aceitável que se caia nesse equívoco. O financiamento é condição necessária na fase de transição, mas não é condição suficiente para o crescimento sustentável; as reformas estruturais e o reforço da cidadania são decisivos. No Portugal pós-covid19 não nos podemos limitar a recomeçar; temos de fazer desta crise uma oportunidade para começar de novo. Essa é a motivação do nosso novo projeto “Reconstruir, Reinventar e Reformar: 10 missões para 2030”.
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