Opinião

Estamos a aproximar-nos cada vez mais da superfície dos buracos negros

Vítor Cardoso

No Prémio Nobel da Física 2020, é importante dizer que tudo começa com a descrição que Einstein fez da gravidade, a Teoria da Relatividade Geral, uma teoria matemática de uma elegância incrível. O conteúdo dessa teoria ainda não o sabemos na totalidade, dado que a matemática é - muito simplesmente - fabulosamente difícil. Ora, creio que todos aqueles que trabalham com a teoria concordariam que de todos os fenómenos codificados e descritos pela matemática, os mais interessantes são buracos negros. Um buraco negro pode ser pensado como uma estrela morta. Mas é mais do que isso, é uma fronteira onde o tempo pára e que separa regiões que só comunicam num sentido - para dentro do buraco negro. Isto sabemos bem hoje.

Em 1965, estávamos a esgravatar a teoria. Nesse ano, Roger Penrose introduziu o conceito de "closed trapped surface" que viria a ser fundamental para caracterizar buracos negros. Ele mostrou também que o colapso de uma estrela, isto é, a morte, seguida de implosão, tem sempre que originar uma "singularidade" uma região onde a teoria falha! Como é que pode ser, a teoria prevê algo que a invalida! Em 1969, ele sugeriu uma forma de escapar a este paradoxo, que até aos dias de hoje ninguém conseguiu provar para que parece válido: Ele postulou um censor cósmico, que faz com que as regiões de falha estejam aprisionadas no interior de um buraco negro... portanto escondidas de nós para sempre. De uma certa forma, os buracos negros existem para nos proteger... da nossa própria ignorância!

Mas Roger Penrose também percebeu que estes objectos, estranhos e exóticos em 1969, pudessem na realidade ter um papel determinante no cosmos. Parafraseando o artigo de 1969, "quero apenas fazer um apelo a que os buracos negros sejam levados a sério e que as suas consequências sejam exploradas em detalhe. Realmente, quem é que pode dizer, sem um estudo detalhado, que eles não desempenham um papel importante nos fenómenos que observamos?"

Portanto, o trabalho de Roger Penrose é fundamental em vários níveis, o que nos leva aos outros dois contemplados. Os outros dois laureados com o Prémio Nobel da Física 2020, Reinhard Genzel e Andrea Ghez, estudam o centro da galáxia há décadas, usando tecnologia simplesmente fabulosa (de que outra forma é que poderíamos espreitar para o centro da Via Láctea, vendo para lá de toda a poeira e matéria?!). Eles mostraram sem sombra de dúvidas que exactamente no centro está um objecto com uma massa equivalente a quatro milhões de Sóis, mas que é completamente escuro e pequeno. Isto não prova que esse objecto seja um buraco negro - na realidade, por definição é impossível provar que buracos negros existem - mas é concerteza evidência boa. Na realidade, nos últimos 30 anos temos recolhido tanta informação do centro da galáxia, que damos connosco numa posição estranha: um buraco negro é a explicação menos exótica para o que habita o centro da nossa galáxia.

Mais, ainda: em parte apoiados nas observações dos premiados, começamos a perceber que todas ou quase todas as galáxias alojam buracos negros supermassivos no seu centro. Estes parecem até controlar a própria evolução da galáxia, o ritmo de formação de buracos negros, etc.

Em resumo, se olharmos para os últimos cinco anos, percebemos que estamos a aproximar-nos a passos largos de algo grandioso. Quer com luz, quer com ondas gravitacionais, estamos a aproximar-nos cada vez mais da superfície do buraco negro. Nós sabemos que eles aprisionam falhas da teoria, talvez essas falhas deixem marcas do lado de fora e talvez nos próximos cinco a dez anos tenhamos uma revolução em física causada por buracos negros, que nos mostrem como a teoria de Einstein deve ser melhorada. Seja como for, estamos a alargar a fronteira do Universo que conhecemos. Esta é uma época maravilhosa para estudar a gravidade e o cosmos.

Vítor Cardoso é Investigador do Centro de Astrofísica e Gravitação do Instituto Superior Técnico

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