A era de uma Europa conciliadora, se não ingénua, chegou à idade adulta. O "poder brando" (“soft power”) virtuoso já não é suficiente no mundo de hoje. É necessário acrescentar uma dimensão de "potência forte" (“hard power”) que não se limite apenas à sua dimensão militar, mesmo que seja necessário desenvolver uma Europa da defesa. Por outras palavras, ser capaz de usar as suas alavancas de influência para impor a sua visão do mundo e os seus próprios interesses.
Face aos efeitos súbitos e devastadores da crise, os nossos concidadãos estão plenamente conscientes da necessidade de uma Europa resiliente e autónoma, segura dos seus valores, forte nas suas convicções, firme nas suas ambições e segura dos seus meios. Uma Europa pronta a contribuir para os grandes equilíbrios do mundo de amanhã.
Para que chegue ao final da crise sem perder a posição que tem, a União Europeia deve dispor de uma capacidade de recuperação proporcional às necessidades dos seus ecossistemas industriais. É este o objetivo da proposta da Comissão Von der Leyen: um instrumento de 750 mil milhões de euros, incluindo subvenções diretas e empréstimos de longo prazo. Com recursos desta dimensão, a UE poderá reforçar e modernizar o seu mercado interno, projetando a solidariedade - base da integração europeia - numa nova dimensão. Este é um passo histórico.
A crise revelou domínios em que a Europa precisa de ser mais resiliente para prevenir e resistir melhor a choques futuros. Estes incluem, naturalmente, equipamento de proteção na área da saúde e medicamentos. Mas também, em termos mais gerais, tecnologias-chave, certas matérias primas críticas (como as terras raras), a indústria da segurança e da defesa ou ainda os meios de comunicação social. Sem nos isolarmos dos nossos parceiros, sem nos envolvermos em protecionismo, contribuir para aumentar a nossa capacidade coletiva de forma a proteger os nossos próprios valores e interesses.
Quem compreenderia se não conseguíssemos, se necessário, proteger as nossas atividades sensíveis, tornadas vulneráveis pela crise, dos agentes predadores não europeus? Tal como a pandemia revelou de forma brutal, temos claramente de diversificar e reduzir as nossas dependências económicas e industriais. No quadro das nossas atuais alianças de segurança e defesa, devemos também reforçar a autonomia estratégica em torno de capacidades comuns e interoperacionais; em torno de tecnologias e infraestruturas críticas (cibersegurança, drones, redes seguras, tecnologia quântica, etc.). A Europa tem as capacidades necessárias. Terá também os meios para o fazer?
Embora no período pós-crise a pressão orçamental dos Estados-Membros possa fazer sentir-se no domínio da defesa, é necessário mais do que nunca gastar melhor em conjunto para racionalizar e reforçar as nossas capacidades comuns, incluindo no domínio da ação externa da UE. Esta exigência implica, nomeadamente, um orçamento ambicioso para o Fundo Europeu de Defesa e para as suas capacidades industriais e de inovação, bem como para o Mecanismo Europeu de Apoio à Paz ao serviço de uma cooperação mais forte e mais operacional.
A Europa deve também dotar-se dos meios para se proteger contra a desinformação, a “infodemia" - que se agravou perigosamente durante a crise do coronavírus - de forma a lidar com tentativas de manipulação por parte de potências estrangeiras. Forte nos valores e princípios democráticos, a Europa pode e deve servir de ponto de referência no fino equilíbrio entre a liberdade de expressão e a luta contra a desinformação.
A solidariedade entre os Estados-Membros da UE é a pedra angular de uma Europa de amanhã mais autónoma e mais soberana. Uma solidariedade entre gerações através do Pacto Verde. Uma solidariedade entre Estados para preservar e desenvolver o nosso mercado interno. Uma solidariedade para consolidar a nossa união económica e monetária e reforçar a nossa coesão social. Uma solidariedade no domínio da segurança e da defesa. E finalmente, uma solidariedade para proteger os valores que partilhamos e que sustentam o nosso projeto comum.
* Josep Borrell é Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e vice-presidente da Comissão Europeia. Thierry Breton é Comissário Europeu para o Mercado Interno, responsável pela indústria da Defesa
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