Opinião

Turismo a mais ou Economia a menos?

Há uma corrente de opinião que vem diabolizando a atividade turística, com o argumento de que Portugal tem turismo e turistas a mais

Turismo a mais ou Economia a menos?

Carlos Costa

Economista e presidente do Conselho Geral da ESHTE

A pandemia por Covid-19 gerou um surto sanitário e uma crise económica sem precedentes à escala planetária. Em Portugal, o Turismo é, de longe, a atividade mais afetada. Sem mercado interno, com os portugueses confinados em casa, e sem os habituais fluxos turísticos internacionais, com o transporte aéreo em lockdown e os aviões em terra, a atividade turística viu interrompida a cadeia de abastecimento e entrou em hibernação.

Declarado o Estado de Emergência e com a economia parcialmente fechada, Portugal vê-se arrastado para a recessão, com uma contração esperada de -8% do PIB no final de 2020. Foi o suficiente para se levantarem algumas vozes contra o alegado peso excessivo do Turismo na economia nacional.

Alguns exemplos:

Catarina Martins, líder do BE, questionada pelo jornal Expresso (10/4) sobre “quando deve ser lançada a estratégia de retoma da economia portuguesa”, responde que “A próxima fase vai exigir muito investimento público e uma estratégia que não passe por o turismo ter este peso no PIB.

Luis Todo Bom, em artigo publicado no Jornal de Negócios (6/4), intitulado “Uma economia baseada no turismo?”, refere que “O turismo em Portugal já representa 12% a 15% do PIB (…) em atividades de baixo valor acrescentado (…) A continuação do seu crescimento, baseado no mesmo modelo de valor acrescentado, típico dos países subdesenvolvidos, representa um risco acrescido.”. E conclui dizendo que “Uma economia excessivamente dependente do turismo tem um risco inaceitável.”.

José Reis, professor da Universidade de Coimbra, em artigo publicado no jornal Público (11/4), a propósito da economia portuguesa fala em “exposição desmedida ao turismo”, atividade que representa “18% do PIB” e “cuja promoção foi tão insensata”.

Diga-se, em abono da verdade, que estes comentários não são novos. Integram-se numa corrente de opinião que vem diabolizando a atividade turística, com o argumento de que Portugal tem Turismo e turistas a mais. Independentemente da opinião que possamos ter, esta tese da “turistificação” assenta num postulado que carece, desde logo, de demonstração: o de que em Portugal a atividade do Turismo assume um peso excessivo na economia.

Mas qual é, afinal, o real contributo do Turismo para a Economia Portuguesa? Importa começar por esclarecer que o Turismo é uma atividade económica que congrega uma “constelação” de setores - para citar a feliz expressão do saudoso Prof. Ernâni Lopes – de que se destacam a hotelaria e o alojamento em geral, a restauração, os transportes aéreos, marítimos e rodoviários, as agências de viagens, os operadores turísticos, a animação turística, os campos de golfe, o rent-a-car, os casinos, os organizadores de eventos e congressos, entre outras.

Para quantificar o contributo desta miríade de setores na Economia, a Organização Mundial do Turismo (OMT) concebeu uma ferramenta metodológica – a Conta Satélite do Turismo (CST) – que permite aferir a importância desta atividade nos principais agregados macroeconómicos de cada país. Em Portugal, os dados da CST são produzidos e divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

Consultando os dados mais recentes da Conta Satélite do Turismo (ver quadro) facilmente se conclui que:

- O Valor Acrescentado Bruto gerado diretamente pelo Turismo representa 8% do VAB da Economia Nacional (dados de 2018), tendo duplicado o seu peso numa década;

- O Emprego nas atividades caraterísticas do Turismo corresponde a 9% do total do emprego nacional e as Remunerações a 8,3% (dados de 2017).

Sendo diretamente responsável por 8% do PIB (que é o somatório dos VAB setoriais) e 9% do Emprego, infere-se que o Turismo é efetivamente uma atividade importante e em expansão na economia nacional, sendo mesmo estratégica em alguns destinos – como são os casos do Algarve, da Madeira ou da cidade de Lisboa. Mas está longe de assumir um peso excessivo, contrariando a narrativa daqueles que apregoam estar Portugal refém do Turismo, como se estivéssemos numa economia de monoprodução.

Mas, então, como explicar as percentagens de 12%, 15% e até 18% (!) invocadas por vários articulistas? Há de tudo, desde quem confunda o peso do Turismo no PIB com o contributo da atividade para o total de exportações nacionais, a quem, certamente por desconhecimento dos conceitos de Contabilidade Nacional, não distinga “procura turística” de “valor acrescentado bruto”.

O resultado do equívoco é conhecido: políticos, académicos, quadros da administração pública do turismo, dirigentes associativos, jornalistas e profissionais de turismo assumiram como boa esta informação e interiorizaram que o turismo tem um peso na Economia muito acima do seu real valor. E, como diria Goebbels, “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”…

Sejamos claros: em Portugal não há Turismo a mais na Economia, nem excesso de turistas. A comprová-lo está o facto de a capacidade de carga estar longe do esgotamento. Há é Economia a menos. E sem Turismo, ou com menos atividade turística, a equação económica não se resolve, agrava-se. O próprio Primeiro-ministro o confirma: “Há poucos meses discutia-se se não tínhamos um excesso de turistas, receio que agora vamos chorar muito a falta de turistas.” (Expresso, 18/4).

A prosperidade registada em Portugal no quinquénio 2015-2019 deve-se, em grande medida, ao êxito da atividade turística, traduzida na geração de riqueza, na criação de postos de trabalho e no aumento das exportações. Insensato seria não tirar partido deste ciclo de crescimento nem das vantagens competitivas que o Turismo oferece, com base nos recursos naturais do nosso país. Tomara que a Economia tivesse beneficiado de desempenhos similares em setores como a agricultura, as pescas, a fileira florestal, as indústrias transformadoras e extrativas e mesmo os serviços. Estaríamos todos bem melhor. Se não estamos, a culpa não foi nem é do Turismo.

Terminamos com um apelo aos portugueses para que façam férias em 2020, mas “vão para fora, cá dentro”.

* Economista, Administrador NAU Hotels & Resorts

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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