Opinião

Despenalização da eutanásia – prós e contras?

O debate sobre a despenalização da eutanásia em circunstâncias especiais que teve lugar no prós e contras na RTP mostrou bem a importância da democracia representativa.

Foram várias as ocasiões em que se tentou assustar o público com cenários totalmente excluídos de todos os projetos de lei que vão ser debatidos e votados no dia 20.

Em primeiro lugar, os defensores do quadro penal atual, que criminaliza qualquer auxílio a quem escolhe abreviar a sua morte numa situação limite, lançam mão de uma fronteira mentirosa, aquela que separaria quem está do lado dos cuidados paliativos e quem está contra os cuidados paliativos. É um traçar de fronteira inadmissível. Não há prós e contras quanto a cuidados paliativos, que devem ser mais e melhores, de oferta pública e no SNS.

Cuidados paliativos e eutanásia não são alternativas e de resto se tivéssemos uma cobertura de 100% de cuidados paliativos CDS e PCP continuariam a ser contra os projetos de lei em discussão. Deixemo-nos de falsos argumentos.

Há pessoas que estão em sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal sem que para elas os cuidados paliativos sejam solução, lá está. Fosse uma, fosse uma única pessoa nessas circunstâncias a dizer na sua autonomia “não quero mais” e cá estaríamos para rejeitar a punição penal de um profissional de saúde que a auxiliasse.

O Luís, que está tetraplégico há anos e com respiração assistida, pedindo, ano após ano, de forma livre e consciente para o ajudarem a morrer não tem lugar na nossa ordem jurídica. Diz-lhe a mesma que o acudir é criminoso. E em nome de quê? Em nome de uma conceção absolutista do direito à vida, contra a vontade do próprio, sem que esse valor constitucional seja ponderado com o da autonomia individual, decorrente da dignidade da pessoa humana.

A médica Isabel Galriça Neto, no prós e contras, duvidou que este caso coubesse nos projetos em discussão. Cabe, sim.

Sejamos sérios. O que não cabe em nenhum dos projetos de lei é o leque de horrores que Isabel Galriça Neto, em modo referendo, lança para a discussão, como autismo ou depressão após fim de relações amorosas (?!)

O prós e contras contou com Adolfo Mesquita Nunes que mais uma vez usou o truque oratório de um liberal: dizer que se só está em causa a liberdade individual, não faz sentido prever-se a validação da vontade por parte do Estado.

Premissa errada.

Adolfo sabe bem em que quadro constitucional vive, pelo que também sabe que todos os projetos de lei fazem uma ponderação entre os valores constitucionais em presença na despenalização em causa. Obviamente não está em causa apenas a liberdade individual, que não é absoluta, que tem de ser conjugada com o dever de proteção da vida humana e com a dignidade da pessoa humana. É por isso que a vontade livre e autónoma tem de ser validada por médicos, sob pena de os projetos serem inconstitucionais, mas a vontade é do doente, sempre.

Finalmente, diz-se que auxiliar alguém a abreviar a morte não é um ato médico. Mas há médicos que sabem que o conceito evolui com as circunstâncias e com a lei.

E há um médico que escreveu isto:

“Ajudar a morrer serena e tranquilamente, acabando com o sofrimento inútil, é uma atitude de elevado valor moral e de grande humanismo”

Chamava-se João Semedo.

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