Observatório da Maioria

Fafe, Lucília e Pedro Nuno: três dúvidas que me inquietam

Fafe, Lucília e Pedro Nuno: três dúvidas que me inquietam

David Dinis

Diretor-adjunto

Uma crise grave num dos mais importantes grupos de “media” do país, o Ministério Público perdido no seu próprio enredo e uma exigência moral do novo líder do PS. Hoje, neste Observatório da Maioria, trago-lhe três pontos que tentam acrescentar a uma discussão pública urgente. Se vamos para eleições, que sirvam para conversarmos sobre os problemas. E para abrir caminho a decisões.

Primeiro: a gestão danosa de Fafe

O novo CEO da Global Media (que detém o JN, TSF, DN e O Jogo, para além do Açoriano Oriental) conseguiu, em dois meses, delapidar o que sobrava do grupo de “media” que agora dirige: atacou e ameaçou os seus próprios jornalistas e diretores; interferiu diretamente na área editorial; anunciou centenas de despedimentos, pondo em causa a sua identidade; desprezou os lucros da sua única joia da coroa (o JN); suspendeu pagamento de salários; anunciou ao país inteiro uma situação financeira “gravíssima” no grupo que comprou (isto depois de ter tido acesso a todos os dados que quis antes da compra). Qualquer um é livre de destruir o seu próprio património, mas José Paulo Fafe tem, ele próprio, de responder a algumas perguntas no Parlamento antes de terminar a destruição – porque agora está a destruir um serviço público, que é o que tem em mãos para gerir.

Como Fafe vai ser questionado pelos deputados esta tarde (escrevo-vos na terça-feira de manhã), atrevo-me a acrescentar algumas perguntas à lista que já aqui publicámos. Estas, em particular, têm como base informação que tenho em mãos (em parte pública, outra não) e que carece de confirmação ou explicação do inquirido:

  • Se a Global está em situação financeira calamitosa, porque contratou 35 pessoas em dois meses, todas elas para a administração e cargos de direção? Porque anuncia, depois disso, 200 despedimentos? Nenhum dos ativos que estão a ser dispensados servia para outro órgão de comunicação do grupo?
  • Se a Global está, alegadamente, com 7 milhões de euros de prejuízo, com que condições somou mais de 2 milhões de euros anuais em salários à fatura?
  • Por que razão anuncia prejuízos de 7 milhões de euros quando outros acionistas apontam para metade em 2023 (apesar da destruição de valor destes meses)?
  • Por que motivo os comunicados oficiais do grupo foram feitos sem conhecimento de outros acionistas – e até do seu chairman?
  • Por que razão o novo financiador só colocou no grupo 1,5 milhões de euros em 2023, tendo prometido três vezes mais aquando da compra? E é verdade que o novo acionista avisou que não colocava dinheiro para salários? Então como é que a venda da Lusa resolveria o problema?
  • Por que razão o Banco Atlântico Europa decidiu em dezembro não renovar o contrato de empréstimo de 900 mil euros que tinha assinado com o Grupo?
  • Como se explica que o Grupo passe de resultados operacionais positivos para negativos em apenas três meses?

Infelizmente, ao ponto a que a situação chegou, já não cabe apenas a José Paulo Fafe dar respostas. Os trabalhadores da Global anunciaram um protesto para amanhã, ao qual simbolicamente me associo. O regulador da comunicação social, esta segunda-feira, deu o primeiro passo para suspender os direitos de voto do novo acionista da Global (esperemos que, se não tiver respostas exigidas pela lei, tenha força política para os seguintes). Mas estamos em campanha eleitoral. E o que temos em Portugal é uma comunicação social cada vez mais frágil, menos plural e mais suscetível a todo o tipo de novos ‘acionistas’ e ameaças. Não vou dar aulas de democracia. Mas gostava mesmo de ouvir os políticos na campanha falarem sobre isto.

Segundo: o MP e a investigação das leis à medida

Tenho resistido a teorias da conspiração, assim como a teorias de responsabilização da Justiça pela recente crise política. Mas o Ministério Público, temo, está a confundir responsabilidades criminais com responsabilidades políticas. Passo a explicar porquê.

Sabemos que o inquérito que corre contra António Costa envolve uma lei que pretendia simplificar licenciamentos industriais, beneficiando diretamente o investimento do Start Campus em Sines (peça fundamental do processo Influencer). Agora, percebemos que o Ministério Público pediu dados ao Presidente sobre o processo legislativo que se seguiu às buscas e que o Presidente acabou por tirar a norma suspeita do decreto, livrando-se do peso.

Não é normal, longe disso, se uma proposta de alteração legislativa for redigida da forma como suspeita o MP: por um ex-dirigente do PS próximo de António Costa, que é de um escritório de advogados onde está um acionista daquele investimento. Isto merece apuramento de factos e responsabilidades (até porque João Galamba nega os factos que lhe são imputados). Mas outra coisa é ser crime uma lei ser feita à medida para facilitar um investimento. Pelo que percebo, é nisto que o Ministério parece estar focado agora, seja no inquérito ao primeiro-ministro, seja também na dispensa de pagamento de IMI às barragens (o Correio da Manhã contava esta 2ª feira que o MP está a investigar uma norma no Orçamento do Estado de 2020 que teria dispensado as elétricas desse pagamento).

O que me leva à pergunta: se não há pistas de os responsáveis políticos terem recebido dinheiro indevidamente por tal ato, o que é que, neste caso, é diferente daquela lei aprovada em abril de 2016 que permitiu ao BPI desbloquear os seus estatutos, tirar Isabel dos Santos de uma posição de comando do banco e permitir a entrada de novos acionistas? Essa lei, talvez se recorde, causou divisões no Governo, mas foi assumida assim mesmo, quer por António Costa, quer pelo Presidente da República. Eu, pelo meu lado, escrevi naquele tempo que a achava mau precedente, mesmo sabendo que o resultado final ajudou a estabilizar o sistema financeiro. Mas esse não é um julgamento criminal, é o meu julgamento político, aquele que todos temos direito, a cada eleição – incluindo cada magistrado do MP.

Simplifico: uma coisa é lei à medida com pagamento de favor; outra é lei à medida de um objetivo do Governo.

Bem sei que pode haver muitos factos desta investigação de que ainda não temos conhecimento. Mas estes agora deixaram-me inquieto: até perceber muito bem do que suspeita o MP, fica-me esta sensação de que algumas pessoas no Ministério Público querem dizer-nos o que é, ou não, legítimo, legislar. Se for o caso, sugiro que se candidatem às legislativas.

Terceiro: Pedro Nuno e a resposta devida sobre o Chega

Cansam-me muito todas as 1001 perguntas semelhantes que os jornalistas fazem aos líderes partidários sobre cenários eleitorais, mas vou pedir-lhe paciência para o único que me parece merecer uma resposta de um deles, Pedro Nuno Santos. Aqui vai: se o PSD vencer as eleições legislativas, mesmo que por um só deputado, o PS aceitará viabilizar o Governo minoritário de Luís Montenegro, em coerência com a exigência do PS e a decisão do PSD de evitar qualquer acordo com o Chega?

Passo a explicar: em 2015, António Costa fez uma declaração de derrota em que abriu, discretamente, a porta a negociações com PCP e BE. Mas se ouvirem essa declaração de sete minutos, Costa dizia, claramente, que só derrubaria o Governo Passos-Portas se conseguisse o apoio de toda a esquerda para garantir uma maioria parlamentar, recusando "um mero exercício de uma maioria negativa apenas apostada em criar obstáculos, sem assegurar uma alternativa de Governo”. Na gíria política, chama-se moção de censura construtiva – sem esses apoios, Costa não deitaria abaixo a PaF.

Agora, é preciso fazer a mesma pergunta a Pedro Nuno Santos: se (e apenas se) o PSD ganhar e existir uma maioria de direita (e, portanto, o PS não tiver como governar), vai deixar Montenegro tentar? Ou entrega a direita à discussão que ninguém quer? Eu respondo: para quem – e bem – fechou o congresso reintroduzindo o conceito da responsabilidade "de todos" sobre o bem comum, a resposta certa parece-me óbvia.

Antes de terminar, deixo-lhe um convite: venha conversar comigo, com a Eunice Lourenço e com o João Diogo Correia, sobre as primeiras ideias dos líderes na corrida eleitoral. É esta quarta-feira, pelas 14h00. Basta inscrever-se aqui.

O Observatório da Maioria desta semana acaba aqui. Se tiver dúvidas, comentários ou mesmo críticas, envie-me um email para ddinis@expresso.impresa.pt

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