Observatório da Maioria

Será este o meu último fact check a António Costa? (e um aviso a Montenegro)

Será este o meu último fact check a António Costa? (e um aviso a Montenegro)

David Dinis

Diretor-adjunto

António Costa está “magoado”, o que é compreensível. Mas também está em campanha, o que nos obriga a revisitar o que ele disse e perceber o que prepara. Vamos a um fact check rápido?

“Não me passa pela cabeça que as suspeitas não fossem suficientemente fortes para a PGR abrir um processo. E deviam ser mesmo muito fortes para ter entendido que era seu dever

O primeiro-ministro não poupou Lucília Gago pelo parágrafo que “enxertou” no comunicado final, mas à noite na TVI apresentou a autonomia do Ministério Público como uma “enorme vantagem do país”. Não foi, portanto, um problema de leis, antes um erro humano, porque Costa diz confiar no sistema de justiça como um todo.

Se o primeiro-ministro entende que o parágrafo não devia constar do comunicado, restam duas opções: ou defende que o processo devia ter sido enviado para o Supremo em segredo; ou defende que as bases das suspeitas que recaem sobre si deviam ter sido apuradas antes de serem remetidas para o órgão que a lei define – e parece ser este o caso, a avaliar pela frase acima citada. Ora, como explicamos neste artigo, a legislação em vigor não prevê a figura de um pré-inquérito, onde os magistrados investiguem as razões para uma suspeita ou denúncia antes de abrirem um processo. Devia existir? É uma ótima pergunta para um primeiro-ministro – ou para qualquer dos candidatos às próximas legislativas. Mas nem a pergunta foi feita, nem Costa defendeu alterações legislativas.

“Eu hoje faria exatamente o mesmo que fiz no dia 7”

Ao que disse o próprio primeiro-ministro na TVI, a demissão já estava em cima da mesa logo às 9h30 da manhã de 7 de novembro, na primeira reunião com o Presidente (como o Expresso contou em devido tempo). E seria de novo ponderada quando foi encontrado dinheiro vivo no gabinete de Vítor Escária, seu chefe de gabinete. Só que o parágrafo apareceu e Costa centra-se, agora, apenas nisso.

Se revisitarmos estas e outras declarações passadas, António Costa desvaloriza tudo o resto no processo Influencer: vinca que o juiz de instrução deixou cair “as acusações mais graves”, deixando no ar que podia até não se demitir se tivesse esperado por essa decisão; elogia João Galamba pelo “excelente trabalho que estava a realizar no Ministério das Infraestruturas”; já tinha sublinhado que é “função de qualquer Governo” usar os seus poderes para “compatibilizar interesses” nos grandes projetos. Teria sido importante, por tudo isto, que ontem tivesse sido questionado sobre um ministro acusado de pressionar organismos públicos a ignorarem a lei, de forma a um megaprojeto fosse construído. Infelizmente não foi.

O que fica claro é que António Costa está a assumir para si todo o ónus da Operação Influencer, confiante que será, mais tarde ou mais cedo, ilibado de qualquer acusação. Dito de outra forma: se o inquérito contra ele cair, tudo ruirá na opinião pública. Quem se lembra, por estes dias, que o processo é mais do que isso? O que vale, afinal, uma acusação de tráfico de influências sobre um ministro?

"A decisão sobre a nova localização do aeroporto é o grande teste à credibilidade do PPD/PSD”

Na entrevista à TVI, o chefe de Governo fez uma cronologia das decisões dos dois grandes partidos sobre o novo aeroporto: primeiro um consenso sobre Alcochete; depois Passos mudou para nenhum; depois mudou de novo para Portela+Montijo; por fim Rui Rio impediu o Montijo. Vou passar os detalhes, porque este é o esquecimento maior: de Alcochete na versão Sócrates para o Montijo de Passos mudaram mais coisas do que a opinião do PSD – Portugal foi obrigado a negociar um Memorando de Entendimento com a troika que incluía a privatização da ANA e ficou sem financiamento para obras de grande volume. Mas devo anotar uma dúvida: se o PS pode, como disse Costa, mudar de opinião sobre temas como os professores quando muda de líder, porque não pode um novo líder do PSD mudar de opinião sobre o aeroporto?

“O único governo que durou quatro anos foi o que todos diziam que não ia durar [o da 'geringonça']”

Factualmente verdade, mas é importante lembrar o primeiro-ministro que nesses quatro anos a margem de erro era zero: o PS não ganhou as legislativas, a maioria de esquerda precisava dos votos favoráveis em cada orçamento, em simultâneo, do BE e PCP. Se aquele governo caísse não havia desculpas para ninguém. O que aconteceu nos dois anos seguintes comprova a teoria: a partir do momento em que o PS ganhou as eleições de 2019 e que bastou existir o apoio de um dos dois partidos à esquerda, a 'geringonça' desfez-se. E, sim, esse histórico pesará na próxima legislatura, mesmo que volte a existir maioria à esquerda e que Pedro Nuno seja o líder.

"Pode é perguntar a quem tomou a decisão de dissolver a Assembleia da República se faria o mesmo perante o que sabe hoje”

Costa não sai apenas em conflito com a PGR que nomeou. Sai também em conflito com o Presidente, que será protagonista principal durante os próximos dois anos. Esta segunda-feira, disse que ele fez “uma avaliação errada”, já que “nem o Conselho de Estado apoiou a dissolução” – ignorando que nenhum partido para além do PS defendia uma solução de continuidade. Disse que “o PS entendeu que havia uma alternativa credível”, quando nem reuniu os órgãos do partido para discutir e votar a solução Centeno – ou quando nem com o próprio Centeno tinha fechado os termos em que o pudesse aceitar. Por fim, defendeu a substituição de um chefe de Governo sem eleições esquecendo o que todo o PS disse sobre a substituição de Durão Barroso por Santana Lopes. Tudo, claro, para responsabilizar o Presidente pelo que se vier a passar a seguir: “Só espero que resulte mais estável do que tínhamos”. Vou esquecer a formulação utilitarista e concentrar-me nos princípios: o que vier a seguir será o que os portugueses, como um todo, escolherem – com base no cenário que o atual Governo deixou. Para o bem e para o mal, esta é também a herança de Costa.

Dito tudo isto, volto à pergunta com que comecei este Observatório de hoje: será este o meu último fact check a António Costa? Claro que não.

Ontem, na entrevista à TVI, ficou claro que preserva o seu capital político, que defenderá o seu legado – e que estará ao lado do líder que o PS campanha fora. António Costa não andará por aí, está entre nós e com uma narrativa clara. Na sondagem que publicámos esta sexta-feira estava já evidente que ele é, ainda, o garante de que a base eleitoral do PS não desce dos 25%-30%, acima até da do PSD.

E vejam bem a força que tem: passado um minuto da entrevista à TVI acabar, Luís Montenegro veio responder-lhe à letra, “olhos nos olhos”. Pois “olhos nos olhos” lhe digo: se a campanha do PSD vai ser contra António Costa é capaz de não correr bem.

Este Observatório acaba aqui. Se tiver dúvidas, comentários ou mesmo críticas, envie-me um email para ddinis@expresso.impresa.pt.

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