O país despertou nos últimos anos para o flagelo do cyberbullying e bullying em contextos escolares. Uma espécie de pandemia social que se manifesta sob a forma de agressões, insultos, humilhações e violência que têm como alvo preferencial as raparigas e minorias, como jovens negros, de etnia cigana, imigrantes, de estatuto socioeconómico baixo ou da comunidade LGBTQIA+.
Como escrevi há duas semanas a PSP lançou uma campanha para sensibilizar a comunidade escolar para a questão, e o próprio governo afirmou que em dezembro anunciará medidas de combate para este problema sistémico.
Como se comporta quem assiste à violência?
Mas para se tratar este fenómeno grupal, devemos perceber que nem todas as vítimas de bullying e cyberbullying são vistas e amparadas da mesma maneira pelos pares e sociedade.
A mão que se estende para levantar alguém do chão ou as palavras de apoio nas redes sociais não chegam a todas as vítimas.
Este é um ângulo importante que é bastante descurado quando o tema vem à discussão.
E se se estiverem a questionar: ‘mas por que raio quero eu saber disto, se este problema não me chegou ainda a casa?’ Respondo o que a potente cantora Selma Uamusse disse ontem no palco do CCB na sua “Carta Branca”, um concerto fortíssimo sobre esperança, união, contra a violência e o medo: “Deixem de olhar só para o vosso lindo umbigo cheio de cotão.”
Menos auxílio para jovens LGBTQIA+
De volta ao tema que importa refletir. No universo das vítimas há ainda as que — além de serem alvos preferenciais de agressores — contam com menos empatia e auxílio da maioria das pessoas em redor. E, entre elas, estão as crianças e jovens da comunidade LGBTQIA+.
Foi a esta conclusão que chegou em janeiro deste ano a investigadora do CIS-Iscte Raquel António no inquérito realizado no âmbito do projeto TURN_ON HELP, que abrangeu um universo de 4.507 jovens portugueses.
Esta psicóloga deu conta que os mais novos revelam-se menos empáticos e menos disponíveis para ajudar, integrar e apoiar vítimas de ciberbullying homofóbico e transfóbico, do que vítimas negras alvo de bullying racista.
O receio de contágio social
Ou seja, as crianças e jovens LGBTQIA+ somam duas violências. A agressão e perseguição dos pares e as costas viradas dos ‘bystanders’, ou pessoas observadoras, que tantas vezes são colegas que nada fazem para ajudar.
E porquê? Por preconceito. E por medo de serem vistos e vistas como iguais ou parte da comunidade discriminada. E numa idade em que é muito importante fazer parte do grupo, muitos serão os jovens que não se querem associar aos mais estigmatizados e menos populares. O que é normal.
Cabe aos educadores e professores educar para o valor da integração e da diversidade. Alguns desses jovens underdogs provavelmente passarão a figuras populares e admiráveis no futuro, mas essas marcas de desamparo na idade do armário não se esquecem.
“É menos socialmente aceitável ajudar uma pessoa LGBTQIA+ do que uma pessoa negra. Por receio de contágio social. Ou seja, quanto maior o receio de contágio social, menores são as intenções de ajuda às vítimas de bullying homofóbico.
Porque nenhum jovem branco teme ser identificado como negro se ajudar uma pessoa racializada, enquanto que ao ajudar uma pessoa LGBTQIA+, ainda à luz de uma sociedade homofóbica ou transfóbica, julga correr o risco de ser identificado erradamente como parte dessa comunidade, por associação. Isto acontece sobretudo entre jovens adolescentes.”
Que futuro sem as aulas de Cidadania?
E perante resultados preocupantes como este, de maior intolerância e desamparo com as minorias LGBTQIA+ (que vai de encontro a tantos outros estudos feitos nos últimos anos no país e na Europa) como acredita o Governo que acabar com a disciplina de Cidadania nas escolas é uma boa medida?
Será que desconhece esta realidade ou desvaloriza-a? Ou a seu ver as crianças e jovens LGBTQIA+ não são dignas do mesmo cuidado e proteção? Na cabeça deles não existem? São criações de IA ou unicórnios que nunca ninguém viu ou conheceu?
Se acham que nunca conheceram crianças e jovens desta comunidade, convido-vos a tomarem contacto com o trabalho de associações como a AMPLOS (associação de mães e pais pela liberdade de orientação sexual e identidade de género) que lutam por uma sociedade mais justa e inclusiva para as crianças e jovens.
E já agora, recordo que o que se dá na disciplina de Educação para Cidadania — aquela que o Governo quer “libertar de amarras ideológicas” — são conteúdos como: direitos humanos e multiculturalidade, educação para a igualdade de género, educação para a paz, e para a saúde no que diz respeito à alimentação e prevenção de dependências, ou para a educação ambiental.
E também, o que tem sido mais alvo de alarme e desinformação: ajuda os alunos e alunas a “compreender, respeitar e aceitar a diversidade na orientação sexual e na identidade de género” é a experiência interna e individual de género profundamente sentida por cada pessoa que pode, ou não, corresponder às expectativas sociais” e que os jovens não devem ser limitados na forma como se expressam a este nível.
Ou seja, ensinar para valores humanistas e para a tolerância, respeito e não discriminação de ninguém. O que tem isto de errado? Pelos vistos o Governo acha que tem, aproximando-se da agenda do Chega.
Para esclarecerem algumas destas dúvidas vale a pena ouvirem a conversa que a jornalista Joana Pereira Bastos teve com o Paulo Baldaia no podcast Expresso da Manhã.
Ora, se com estas matérias a serem dadas de forma autónoma no 2º e 3º ciclos e de forma transversal no 1º ciclo e secundário, o resultado ainda está longe de ser bom, e os números revelam que há muito preconceito para ser desmontado, o que passará a ser quando esta cadeira for esvaziada destes conteúdos ou retirada das escolas?
A investigadora Raquel António, que estuda estas matérias desde 2015, deixa claro o que avista no horizonte:
“Se esta cadeira for retirada das escolas, os resultados vão piorar e as respostas dos pares a estas comunidades serão ainda mais negativas e preconceituosas. A educação para a cidadania pode ser exatamente um dos caminhos para tentarmos promover a empatia e atitudes mais positivas entre quem observa este tipo de incidentes sobre minorias étnicas e minorias sexuais.
Não tenho dúvidas de que é uma disciplina fundamental para a formação de pessoas tolerantes, empáticas, solidárias e que é, sobretudo, um espaço privilegiado de trabalho para o desenvolvimento de competências que contribuem para a prevenção de situações de discriminação e de violência, como é o caso do bullying e do cyberbullying.”
Raquel partilhou ainda comigo que ela e outros investigadores têm sido convidados para falar sobre estes temas nas aulas, para auxiliar professores mais despreparados para ensinar algumas destas matérias.
O que leva à pergunta, a maioria dos professores que têm dado esta matéria estão devidamente informados e preparados para ensinar estes conteúdos? Mas isso é outra discussão.
“Participei num webinar que foi assistido por mais de 7 mil pessoas sobre orientação sexual e identidade de género, em que explicava todos os conceitos relacionados com isto. Usava até aquele boneco de gengibre para explicar a expressão de género, identidade de género, orientação sexual.
E foi de facto um webinar com muita adesão, portanto ainda existe pouca informação sobre estes temas.”, esclarece a psicóloga.
O preconceito pega-se!
Assim, deixem as aulas de Cidadania em paz!
Atentem ao que os estudos nacionais e internacionais apontam para a necessidade de estratégias de combate específicas para cada grupo alvo de agressão.
E já agora, reafirmo o evidente: a orientação sexual e identidade de género não se pega, não é doença ou alvo de contágio social. E nem é razão para discriminar ou achar alguém menor ou inferior.
Mas o preconceito e o ódio sim, é contagioso e mimetiza-se quando há falta de informação, contexto, acompanhamento e educação nas escolas e em casa.
E o impacto físico e psicológico nas vítimas destes abusos é quase sempre devastador. E pode inclusive levar ao suicídio.
Um relatório deste ano da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) assinalou que quase 75% dos portugueses inquiridos num estudo europeu sofreram bullying ou foram humilhados na escola por serem da comunidade LGBTQIA+, e deu-se conta de um aumento destas agressões nos últimos cinco anos.
Por isso, combater estas violências e desigualdades nas escolas é da responsabilidade do Governo e da sociedade. Para todo o tipo de discriminações o caminho é a educação desde cedo, para prevenir abusos que não ficam só na infância ou puberdade.
CONVERSEI EM PODCAST COM…BENEDITA PEREIRA
Aos 22 anos, a atriz Benedita Pereira partiu para Nova Iorque para escapar à máquina de fazer novelas, ao rótulo de uma série juvenil em que participou e, principalmente, para aprender mais.
Por lá viveu 7 anos, estudou “o método” no famoso Instituto Lee Strasberg e noutras escolas, aprendeu a lidar com os constantes “nãos” nas audições e especializou-se a fazer sotaques em inglês e castelhano. No currículo constam papéis de destaque nas séries “Versailles”, “The Blacklist” e no filme “Ascension”.
Em Portugal voltou a fazer televisão, mas sobretudo teatro. E está atualmente em cena com a peça “Telhados de Vidro”, no Teatro da Trindade, em Lisboa. Um drama contemporâneo sobre ideologias opostas entre pessoas que se desejam. Ouçam-na aqui.
BELEZAS, se quiserem dar-me o vosso feedback, deixar comentários, convites, sugestões culturais, lançamentos, ideias e temas para tratar enviem-me um email para oemaildobernardomendonca@gmail.com
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É tudo por agora. Temos encontro marcado aqui no próximo sábado. Bom fim de semana, boas escutas e boas leituras!
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