A Beleza das Pequenas Coisas

Bullying não é para fracos, nem fortes. Todos são vítimas!

Foi bastante ao lado e infeliz o nome dado à campanha de prevenção do bullying nas escolas que a PSP lançou na passada segunda-feira.

A PSP chamou-lhe bullying é para fracos”, para virar o espelho aos agressores que insultam e agridem de forma continuada os pares, mas o nome gera equívocos e pode revitimizar jovens alvo de agressão (quando o que se pretendia dizer é que “fazer bullying é para fracos”).

E simplifica um problema que merece mais cuidado e pensamento.

Claro que esta iniciativa da PSP tem o maior mérito, a decorrer até dia 25 de outubro e a abranger os estabelecimentos de ensino do 1.º ao 3.º ciclos, assim como do ensino secundário, envolvendo crianças e jovens dos seis aos 18 anos de idade.

Com isto as forças de segurança revelam estar mais alerta para esta realidade, podendo agir no terreno e aumentar a consciencialização e reduzir ocorrências. O que é bastante positivo e louvável.

Qual a real dimensão do problema?

Vamos por partes. Em Portugal não se sabe ao certo a dimensão deste problema nas escolas. O bullying, não sendo um crime tipificado no código penal, não permite ter um registo objetivo do fenómeno, para um retrato fiel da sua evolução.

O que se avista é a ponta do iceberg, as denúncias que chegam à PSP, quando os casos se tornam insuportáveis e demasiado visíveis e há denúncias de agressões, injúrias e ameaças continuadas.

Mas até onde vai este problema? Estará a escola preparada para lidar com isto, e sinalizar devidamente estas ocorrências, a par das forças de segurança?

Este próximo domingo assinala-se o Dia Mundial de Combate ao Bullying e, de acordo com a PSP, no ano letivo 2023/24, nas mais de 2.900 ocorrências criminais registadas pelas Equipas do Programa Escola Segura (EPES), 134 estão relacionadas com situações de bullying e 30 com casos de cyberbullying.

Mas neste contexto importa perceber que o binómio “fraco” e “forte” é redutor, que o bullying tem raízes na vulnerabilidade social, económica e psicológica dos intervenientes e tantas vezes reproduz as situações de injustiça e preconceitos presentes no meio onde estas situações ocorrem.

E se é verdade que as vítimas de bullying são geralmente jovens que a própria sociedade entende como frágeis, física ou emocionalmente, muitas vezes vítimas silenciosas, e a pessoa ‘bully’, ou grupo de agressores, têm características de maior popularidade, são mais aceites ou mais fortes fisicamente, há outras razões menos visíveis que importa perceber para desmontar este flagelo e tentar resolvê-lo.

Agressores que foram vítimas

Por exemplo, não são poucas as vezes que os agressores ou as agressoras foram também vítimas noutros contextos, como o familiar. E foi esta a forma que arranjaram de dar resposta à situação. Para tentarem ter poder, voz, presença, num certo domínio ou ambiente, já que em casa não têm. Logo é também por isto falho e problemático o termo usado na campanha…

Este é um fenómeno demasiado complexo para se reduzir a um tema bacoco e impensado. Percebe-se a intenção por trás, mas não sei se é compatível com aquilo que depois procuram fazer, que é mostrar o quão isto pode ser nocivo e lesar e magoar a vítima.

Ou até trazer um tipo de compreensão sobre os agressores que eles próprios são vítimas, para que eles possam compreender que essa frustração é uma expressão de raiva e de mágoa e que existem outras formas de comunicar e interpretar a dor que estão a sentir. Em vez de estarem a atacar o outro.”, esclareceu-me a psicóloga Isabel Filipe com quem discuti este tema.

Existem vários comportamentos típicos do bullying, com base sempre em relações violentas, abusivas e desiguais entre pares com o objetivo continuado de assustar, magoar, humilhar e intimidar a vítima:

violência física, violência verbal, violência relacional/social (excluir de um grupo, espalhar boatos, rumores e mentiras), violência sexual, cyberbullying (espalhar boatos, insultar através das redes sociais, criar perfis falsos) bullying homofóbico e transfóbico, entre outros.

Podem saber mais sobre isto aqui neste guia do SNS e neste da Ordem dos Psicólogos Portugueses.

Mais formação nas escolas

Diria que é porventura interessante e eficaz associar a estes movimentos nas escolas mais formação e consciencialização sobre perspectivas de gênero, identidades LGBTQIA+, e desmontar ideias racistas, xenófobas, homofóbicas, transfóbicas ou ideais de beleza física ou de capacitismo, para esvaziar os preconceitos de sempre que levam ao bullying dos habituais alvos de chacota, considerados mais fracos, mais isolados, mais estranhos, mais inseguros, menos populares.

Uma expressão tóxica e desnecessária

Acima de tudo, seria interessante retirar do discurso nas escolas o binómio normativo de quem é fraco ou forte. Que é tóxico, desnecessário, infantil e nada pedagógico. Educar para a cidadania e criar mudança nestes comportamentos nocivos é também perceber o mal que vai na linguagem, e evitá-lo, corrigi-lo, utilizando-se narrativas diferentes. Menos frágeis e perigosas.

O próprio governo parece estar com vontade de intervir nesta questão. E deu conta que criou um grupo de trabalho para combater o bullying nas escolas. Os primeiros resultados serão apresentados em dezembro, afirmou a ministra da Juventude e Modernização, Margarida Balseiro Lopes. Aguardemos.

Acabar com o silêncio

O que importa é não remeter este assunto ao silêncio. E que mães, pais, professores, e demais agentes de educação, estejam atentos

e se reconhecerem alguns sinais em crianças e jovens de que possam estar a ser vítimas ou a praticar bullying, é importante intervir e denunciar na escola ou junto das autoridades. E, acima de tudo, compreender-se que não se trata de um comportamento “normal”. E pode ter consequências psicológicas e físicas.

Porque é esse mesmo silêncio que alimenta o bullying, como assinou em tempos a jornalista Joana Ascensão.

Sobre isto mesmo deixo por fim o alerta do Intendente da PSP Hugo Guinote, que ao ser questionado por Paulo Baldaia, no podcast Expresso da Manhã, se os pais ou professores desvalorizam demasiado o fenómeno do bullying nas escolas, eventualmente achando que é coisa de miúdos e ‘normal’, respondeu:

“O desafio é conseguir distinguir quando é um fenómeno pontual e quando há um caráter de continuidade numa relação de abuso e de normalização do recurso à violência da parte dos agressores. É esta a principal dificuldade.”

CONVERSEI EM PODCAST COM… MITÓ MENDES

Bastidores da conversa com a cantora Mitó Mendes no podcast "A Beleza das Pequenas Coisas"
José Fonseca Fernandes

Mitó Mendes está de regresso aos palcos e à música como a voz da banda de intervenção Cara de Espelho, que junta músicos consagrados com a mira apontada para certos “políticos antropófagos” e outros absurdos destes tempos.

Tudo isto servido num disco homónimo de estreia, musicalmente muito cuidado, com letras certeiras de Pedro da Silva Martins que resultam em canções que dão gosto ouvir e trautear.

Depois d´A Naifa e de Señoritas, Mitó Mendes continua a acreditar no poder das cantigas para agitar consciências e “desmontar ideias pré-feitas que estão na cabeça das pessoas”.

E dá-nos conta das músicas que a acompanham, celebra a obra de Saramago, Carlos Paredes e Maria Teresa Horta e partilha outras tantas sugestões culturais.

Ouçam-na aqui no podcast “A Beleza das Pequenas Coisas”.

BELEZAS, se quiserem dar-me o vosso feedback, deixar comentários, convites, sugestões culturais, lançamentos, ideias e temas para tratar enviem-me um email para oemaildobernardomendonca@gmail.com

E aqui deixo a minha página de Instagram:@bernardo_mendonca para seguirem o que ando a fazer.

É tudo por agora. Temos encontro marcado aqui no próximo sábado. Bom fim de semana, boas escutas e boas leituras!


Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: oemaildobernardomendonca@gmail.com

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