Bom dia.
Antes de mais um convite: hoje, às 14h, “Junte-se à Conversa” com David Dinis e Joana Pereira Bastos, para falar sobre “Aulas de cidadania: há razão para polémica?”. Inscreva-se aqui.
A noite que passou foi de ira e fogo nas periferias de Lisboa. A revolta nasceu da morte de Odair Moniz, morador do bairro do Zambujal (concelho da Amadora) vítima de disparos de um agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) na madrugada de segunda-feira, na Cova da Moura. ‘Dá’, como era conhecido, morreu no hospital de São Francisco Xavier, atingido por dois de quatro disparos de um agente da PSP. Cabo-verdiano, vivia em Portugal desde os 19 e deixa filhos de 19, 18 e 2 anos. Trabalhava como cozinheiro num restaurante de Lisboa.
Se o dia em que tiraram a vida a ‘Dá’ já fora marcado por tumultos — um grupo de cerca de trinta pessoas incendiou caixotes do lixo e paragens de autocarro —, no de terça tudo aqueceu, com autocarros postos a arder por jovens revoltados no Zambujal e na Portela de Carnaxide (Oeiras), além de pneus e caixotes de lixo. A polícia montou um perímetro de segurança e familiares de ‘Dá’ asseguram que três agentes da PSP lhes arrombou a porta e agrediu uma sobrinha sua. A PSP assegurou ao “Público” não ter conhecimento dessa ocorrência.
A corporação garante que Odair Moniz fugiu ao volante de um carro e abalroou outros, após abordado pela polícia. Ter-se-á despistado, resistido à detenção e ameaçado com arma branca os agentes da autoridade. Só houve tiros depois de “esgotados outros meios e esforços”, lê-se num comunicado, e “em circunstâncias a apurar em sede de inquérito criminal e disciplinar”. O autor dos disparos foi interrogado e constituído arguido por homicídio consumado. Entregou a arma do presumível crime e saiu em liberdade, estando de férias e a receber apoio psicológico.
Vizinhos asseguram que ‘Dá’ nunca andava armado, questionam a direção dos tiros e a versão oficial dos acontecimentos. “Eu costumo conviver com ele e nunca o vi com uma arma branca. Acho isso um bocadinho estranho, tem de haver provas”, comentou Luís Cabral, pintor e membro da Associação de Moradores do Bairro do Zambujal. “Nunca o vi arranjar confusão com ninguém nem provocar ninguém. Era uma pessoa espetacular. O que aconteceu é uma perda grande e claro que o povo está revoltado, porque tem que haver justiça.”
“A polícia podia ter feito isso de outra maneira, não da maneira que fez, ao tirar a vida do meu amigo”, afirmou Telmo Miranda ao Expresso, acusando a PSP de excessos e agressões. “Ele era um rapaz honesto como sempre foi, era humilde, era trabalhador. E eu peço à ministra da Administração Interna, se tiver sentimentos e tiver filhos e família, que se meta do lugar da mulher dele, porque isso não se faz”. A ministra Margarida Blasco ordenou à Inspeção-Geral da Administração Interna a abertura de um inquérito “com caráter de urgência”.
A tragédia de ‘Dá’ motiva alegações de racismo contra a PSP. A associação SOS Racismo refere “um padrão de intervenção policial que opta por uma espécie de exceção jurídica em que a violência e a morte nos territórios e corpos habitados por pessoas negras passam a ser uma regra”. Entretanto, os distúrbios chegaram a outras zonas da Grande Lisboa, escreve o “Diário de Notícias”. Houve caixotes do lixo incendiados em Campo de Ourique (Lisboa), Catujal (Loures), Pontinha (Odivelas), Agualva-Cacém e Monte Abraão (Sintra).
Outras notícias
REUNIDOS Por estes dias estão em Kazan, na Rússia, os países emergentes do grupo fundado por Brasil, Rússia, Índia e China, a que depois aderiram África do Sul, Irão, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos. Ao encontro assistem mais quinze nações, esperando-se amanhã a presença do secretário-geral das Nações Unidas. António Guterres deve encontrar-se com o Presidente russo, Vladimir Putin. O assunto é abordado por Paulo Baldaia e Raquel Vaz-Pinto no “Expresso da Manhã” de hoje.
VITORIOSOS O Sporting foi à Áustria vencer o Sturm Graz (0-2) em partida a contar para a Liga dos Campeões. Marcaram Nuno Santos e (como não?) Viktor Gyökeres. Hoje é a vez de o Benfica receber o Feyenoord de Roterdão, às 20h na Luz. Antes, às 15h30, visitam a Pedreira de Braga os noruegueses do Bodø/Glimt. Amanhã o Porto joga em casa (20h) com os alemães do TSG Hoffenheim e o Guimarães vai à Suécia defrontar o Djurgårdens IF (17h45).
FESTEJADO O 25 de Novembro de 1975 vai ter sessão solene na Assembleia da República. Esta data, pôs simbolicamente fim ao período revolucionário, por ter marcado o último estertor da esquerda radical militar e por, no rescaldo do mesmo, o sector moderado ter travado as tentações da direita saudosista. Abriu-se, pois, caminho à normalização democrática que a Constituição de 1976 viria a consagrar, mormente após a revisão de 1982.
RENHIDA Está taco a taco a corrida à Casa Branca, com as sondagens a não permitirem vaticinar se ganhará Kamala Harris ou Donald Trump. Tudo indica que a participação das mulheres, mais assíduas na mesa de voto, será decisiva, podendo beneficiar um ou outro consoante geografia e retrato social. Sobretudo, é claro, nos sete estados de que parece depender o desfecho das presidenciais, e que o Expresso tem radiografado um por um.
INTERMINÁVEIS As guerras no Médio Oriente e na Ucrânia prosseguem. Israel anunciou ter atacado a central da unidade naval do grupo xiita Hezbollah em Beirute, onde também matou 18 pessoas perto do maior hospital público libanês. Já um novo pacote de sanções contra a Rússia por ter invadido a Ucrânia terá como alvo países e empresas que facilitam o fornecimento de equipamento de uso militar a Moscovo.
CONFIRMADOS Os Da Weasel estarão no festival de Vilar de Mouros, que se realiza de 21 a 23 de agosto de 2025. Os passes de três dias custam 100 euros, escreve a “Blitz”, que celebra 40 anos num concerto, a 12 de dezembro no MEO Arena, com atuações de Xutos e Pontapés, Maro, Capitão Fausto e Gisela João.
Frases
“A juventude asiática é o futuro da Humanidade. Existe também asianização económica: temos carros elétricos chineses, telemóveis chineses, eletrodomésticos chineses, roupas chinesas, tudo chinês. Além disso, temos trabalhadores de tecnologia indianos. E vocês têm trabalhadores asiáticos. Há ainda a asianização estratégica, obviamente. A Ásia é o centro geopolítico do poder. Assim, em cada dimensão da vida humana, está a acontecer uma asianização.”
Parag Khanna, pensador indiano, numa interessantíssima entrevista
“O Presidente ucraniano precisa ainda de ganhar forças num momento em que sabe perfeitamente que, apesar de o progresso russo ser lento, ele é gradual e efetivo”
Daniela Nunes, investigadora no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, numa análise ao plano de vitória de Volodymyr Zelensky
Podcasts a não perder
🇹🇷 Tiago Cardoso vive num contentor, casa improvisada na sequência do terramoto que abalou a Turquia e a Síria em 2023. O jurista português, que tem dedicado boa parte da sua vida académica e profissional ao direito dos refugiados, falou com a jornalista Ana França no mais recente episódio de “O Mundo a Seus Pés”.
🎭 Foi um gosto ter ouvido gravar ao vivo, no Tribeca Festival, o “Geração 90” em que Júlia Palha entrevistou Alba Baptista. As duas atrizes, mulheres inteligentes e frontais, tiveram uma conversa rica que percorreu assuntos como descobrir a vocação, fazer escolhas que mudam tudo e lidar com as redes sociais.
🦾 Portugal deve apressar-se a aproveitar os proveitos económicos da inteligência artificial, para não perder comboio europeu, indica um estudo da McKinsey, que João Vieira Pereira e João Silvestre focam no “Money Money Money”. Isso implica, porém, requalificar muitos milhares de trabalhadores.
O que ando a ler, ver e ouvir
No equilíbrio entre ficção e ensaio que vou tentando manter, os últimos dias têm sido ocupados com “Vermelho Delicado” (Tinta da China), feliz regresso ao conto de Teresa Veiga, uma das pessoas que melhor escreve em português; e com o delicioso “Só Neste País” (Clube do Autor), dos camaradas Liliana Valente e Filipe Santos Costa, respetivamente atual e antigo jornalistas do Expresso, que revisitam episódios picarescos da política portuguesa (os quais, como se disse na sessão de apresentação, não acontecem… só neste país). Um e outro são obras que apetece não parar de ler.
Da incursão anual à Amadora BD (dura até domingo, não percam!), além do deleite da exposição — cujo conteúdo muito variado inclui uma homenagem à Mafalda de Quino pelos seus 60 anos —, trouxe “O abismo do esquecimento” (Ala dos livros), do meu muito admirado Paco Roca. Ainda não tirei o celofane, mas a sinopse, o traço e a capa mostram que o ilustrador espanhol não se afasta dos seus temas diletos. Desta vez, aliou-se ao jornalista Rodrigo Terrasa para recuperar a história real de Leoncio Badía, José Celda e Pepa Celda, republicanos na guerra civil de 1936-39.
Na música, encantaram-me os últimos lançamentos de Carminho, Séckou Keita e Mayra Andrade. A fadista portuguesa oferece quatro faixas gravadas do Electrical Audio de Chicago, o estúdio de Steve Albini, mítico produtor dos Nirvana. Numa delas entra Caetano Veloso. O Paulo André Cecílio e o Tiago Miranda fizeram reportagem com a artista.
Já o músico senegalês traz “Homeland — Chapter 1”, e após audição deste álbum poliglota só posso afiançar que espero que o número incluído no título seja prenúncio de muitos mais. Já a cantora cabo-verdiana brinda-nos com “reEncanto”, gravado ao vivo na londrina Union Chapel e ótimo motivo para revisitar a sua participação recente no podcast “Posto Emissor”.
Ficam para o fim, telegraficamente, as artes cénicas. O “Fantasma da Ópera” de Andrew Lloyd Webber está até dia 27 no Campo Pequeno e a produção, a que assisti ontem, é excelente. Esgotou e percebe-se porquê. Quis a agenda, aliás, que esta semana vá ver três-musicais-três. O Teatro Maria Matos propõe “Querido Evan Hansen”, um êxito em Londres e Nova Iorque; e o Auditório de Santa Joana a Princesa leva à cena “A Pequena Loja dos Horrores”, mais um clássico do género. Para quem abomina musicais (e são muitos), sugiro romagem ao reaberto Teatro Variedades, que apresenta até domingo um duplo programa encenado por Ricardo Neves-Neves, em tom bem-humorado: “Entraria Nesta Sala”, que recupera glórias da comédia portuguesa da primeira metade do século XX; e “The Swimming Pool Party”, também para rir, mas de outra forma.
Com isto, dou por findo o café e recomendo que sigam toda a atualidade com o Expresso. Até breve e até sempre!
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